Carta do Rio de Janeiro: por um transporte mais seguro

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Carta do Rio de Janeiro: por um transporte mais seguro

Rio de Janeiro, 1°.11.06 – “Urge reduzir o altíssimo custo gerado pelos acidentes de trânsito e os elevados a que estão expostos todos os que transitam pelas estradas e vias urbanas do nosso país e, de modo muito especial, os próprios motoristas profissionais”. O alerta é da Carta do Rio de Janeiro “Por um transporte mais seguro”, elaborada pelas entidades que participaram do Fórum Nacional de Segurança para o Transporte de Cargas, evento promovido pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), de 25 a 26 de outubro, no Rio de Janeiro. O documento traz uma série de recomendações para a redução de acidentes, relacionadas com formação profissional, renovação de frota, recuperação das rodovias, fiscalização, tempo de direção, disciplinamento do transporte rodoviário de cargas, roubo de cargas e questão ambiental. Veja a íntegra do documento:

CARTA DO RIO DE JANEIRO

POR UM TRANSPORTE MAIS SEGURO

Reunidos nos dias 25 e 26 de outubro de 2006, na cidade do Rio de Janeiro, durante o Fórum Nacional de Segurança para o Transporte de Cargas, evento promovido pelo Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), órgão do Ministério das Cidades, e realizado pela NTC&Logística ? com o apoio da Federação estadual (FETRANSCARGA) e do Sindicato local (SINDICARGA) ?, empresários e profissionais do transporte de cargas, fornecedores do setor, técnicos de várias áreas do conhecimento e de órgãos governamentais, provenientes todos eles das mais diversas regiões do País, debruçaram-se sobre os problemas de segurança de trânsito, patrimonial e ambiental decorrentes da atividade, bem como sobre soluções viáveis para preveni-los ou para reduzir os seus efeitos.

O transporte de cargas, tanto quanto o de passageiros, é, reconhecidamente, atividade essencial à vida moderna. Não obstante, pela sua própria natureza, gera conseqüências que ultrapassam largamente os limites do contrato de transporte. Estas são as externalidades do transporte, isto é, os riscos que são suportados por terceiros e, em alguns casos, por toda a sociedade, embora a atividade, em cada caso, se desenvolva no interesse apenas do contratante (cliente) e do seu contratado (transportador).

Disso decorre, inquestionavelmente, a responsabilidade social daqueles que dependem desta atividade econômica, assim como a responsabilidade política do Estado, lato sensu, que é chamado a exercer o seu papel normatizador e fiscalizador, na defesa do interesse público, de modo que a atividade essencial possa ser exercida com o menor dano possível à sociedade.

No que diz respeito, especificamente, ao Transporte Rodoviário de Cargas, também chamado TRC, a sua essencialidade para o desenvolvimento econômico e social do País salta aos olhos. Estatísticas recentes demonstram que este segmento responde por aproximadamente 6% do PIB, 59% das cargas transportadas (em toneladas/quilômetros) e por 85% dos fretes pagos pelos embarcadores, além de gerar, diretamente, pelo menos 5 milhões de postos de trabalho, e outros tantos indiretamente.

Portanto, o grande desafio do Fórum foi identificar formas de prevenir e reduzir o impacto das externalidades de uma atividade tão essencial e, ao mesmo tempo, tão arriscada, de modo a torná-la auto-sustentável e socialmente responsável.

As mortes e o custo dos acidentes
Urge reduzir o altíssimo custo gerado pelos acidentes de trânsito e os elevados riscos a que estão expostos todos os que transitam pelas estradas e vias urbanas do nosso país e, de modo muito especial, os próprios motoristas profissionais.

À parte o valor intangível que representa a perda de vidas humanas, há outros, de natureza material que, sob o ponto de vista econômico, não podem ser negligenciados.

Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Ministério do Planejamento, demonstra que o custo dos acidentes em rodovias e vias urbanas atinge a impressionante cifra de R$ 28 bilhões/ano!

Outros estudos, da COPPEAD e da PAMCARY, revelam que o trânsito faz no Brasil cerca de 34 mil vítimas fatais por ano, o que equivale à queda de um Boeing 737, lotado, sem sobreviventes, a cada 36 horas!

Revelam, também, que pelo menos 8 mil destas mortes decorrem de acidentes em que o caminhão está envolvido, sendo que 2,5 mil vítimas são os próprios motoristas dos caminhões!

Os pontos de exclamação são inevitáveis, como inevitável é a vergonha diante de números tão indecentes.

Formação profissional
Como a falha humana está sempre presente na maioria dos acidentes, ainda que associada a outras causas igualmente importantes, é indispensável assegurar ao motorista profissional uma formação capaz de permitir a condução mais segura e cada vez mais competente dos veículos de carga, principalmente daqueles de maior porte.

Boa parte desta missão cabe ao SEST/SENAT. Vencida a fase de implantação desses serviços (criados em 1993 através de lei federal), quando parcela significativa da energia e dos recursos teve de ser direcionada à construção de mais de uma centena de estabelecimentos em todo o País, eles poderão, agora, dar prioridade absoluta, e destinar recursos cada vez mais importantes, à reciclagem e à formação de motoristas, bem como de outros trabalhadores operacionais, comprometidos com a realização de um transporte mais seguro.

Renovação de frota
Outra medida inadiável consiste na modernização da frota de veículos de carga, cada vez mais antiga, insegura, poluente e perdulária em termos de consumo de combustível.

Dados do Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), demonstram que a idade média da frota de 1.126.209 veículos automotores (caminhões simples e cavalos mecânicos) que atuam no TRC atinge, em média, 16,8 anos. Contribui para este resultado principalmente a elevada idade da frota dos transportadores autônomos (20,8 anos). Não estão considerados aqui os reboques e semi-reboques, que também têm idade média elevada, nem os utilitários e os veículos de apoio.

Ressalte-se que renovar esta frota não significa apenas financiar a compra de caminhões novos, mas, sobretudo, criar regras que induzam ao sucateamento dos veículos muito antigos (com mais de 25 anos), seja pela elevação do imposto de propriedade, seja através de incentivos e linhas especiais de financiamento de veículos novos ou seminovos, a exemplo de programas existentes em outros países.

Além disso, é indispensável aprovar, no plano federal, com validade em todo o território nacional e no MERCOSUL, a inspeção de segurança veicular e de emissão de gases, bem como, inicialmente, estabelecer idade máxima para caminhões operarem em rotas interestaduais, estendendo-se paulatinamente tal limitação a todas as estradas.

Recuperação das rodovias
Ao lado do despreparo dos motoristas e da elevada idade da frota, as deficiências de sinalização, traçado e conservação das rodovias desempenham papel fundamental no morticínio do trânsito. Segundo a última ?Pesquisa Rodoviária? da Confederação Nacional do Transporte (CNT), do ano em curso, 75% das rodovias deixam a desejar, pois se encontram em estado geral regular, ruim ou péssimo. Contribuem para esta situação calamitosa não apenas o mau estado dos pavimentos (54,4% deixam a desejar), mas principalmente as deficiências de sinalização (70,3% estão neste caso) e da geometria (78,4%).

Estima-se que cerca de R$ 20 bilhões seriam suficientes para recuperar todas as rodovias pavimentadas. Isso é menos do que custam os acidentes em apenas um ano. Ou seja, neste caso, como em tantos outros, fazer o que precisa ser feito é muito mais barato do que deixar de fazer. Especialmente porque, após a instituição da CIDE, a falta de recursos não mais pode servir de pretexto para a omissão oficial. E há, ainda, as alternativas das concessões e das parcerias público-privadas, que não podem ser esquecidas.

Ficou muito claro, por outro lado, que tão ou mais importante do que recuperar o pavimento e tapar buracos é cuidar da sinalização. A maior parte dos acidentes e os de maior gravidade acontecem em curvas, geralmente mal sinalizadas ou simplesmente não sinalizadas. É preciso cobrar fortemente dos órgãos com jurisdição sobre as diversas vias e rodovias a manutenção permanente e a reposição, quando necessário, de todos os elementos de sinalização horizontal e vertical. Isso evita muitos desastres e salva vidas, principalmente à noite e sob chuva ou nevoeiro.

Fiscalização
Não basta, porém, recuperar e conservar adequadamente as rodovias. É preciso, também, zelar por este valioso patrimônio. Para tanto, é indispensável combater, de maneira sistemática, os predatórios excessos de peso nos caminhões, uma das conseqüências mais indesejáveis da competição selvagem existente no setor. Esta prática, além de reduzir exponencialmente a vida útil das rodovias, elevar os custos operacionais do transporte e aviltar fretes, contribui, sem dúvida, para aumentar os índices de acidentes.

As pouquíssimas balanças em operação no País, em especial nas rodovias federais, são obsoletas e muitas não funcionam 24 horas, durante os sete dias da semana, sinalizando aos infratores os horários em que podem transitar livremente. É imperioso concluir e implantar o ?Plano Nacional de Pesagem?, já discutido no âmbito do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT), que prevê mais de 200 balanças e um sistema moderno de operação e fiscalização.

A este propósito, surgiu durante o Fórum uma proposta inovadora, no sentido de que, nas futuras concessões rodoviárias, a tarifa de pedágio dos caminhões não mais seja fixada por eixo nem por tipo de veículo, mas por tonelada, instalando-se balanças eletrônicas e automáticas em uma ou duas faixas de rolamento segregadas, poucos metros antes das praças de pedágio, de modo a permitir este controle. Além de mais justo, porque reduziria a tarifa dos veículos vazios e acabaria com a polêmica dos eixos suspensos, poder-se-ia criar uma tarifa punitiva para os pequenos excessos e o bloqueio automático para os casos mais graves, quando não se recomendasse seguir viagem.

Da mesma forma, é indispensável fiscalizar e combater, com rigor, o excesso de velocidade, não só dos caminhões, mas de todos os veículos, com o uso de modernos recursos eletrônicos, inclusive câmeras, que já demonstraram sua eficácia, aqui e em outros países, assim como a implantação obrigatória de chips de identificação em todos os veículos, que se encontra em estudos no âmbito do Ministério das Cidades.

As Polícias Rodoviárias precisam voltar a atuar, também, na repressão a infrações menos graves, mesmo que sem conseqüências imediatas ? ultrapassagem em faixa contínua, pelo acostamento etc. ?, como forma de criar um clima de ?tolerância zero? nas estradas, acabando com a sensação de impunidade e gerando um novo paradigma de respeito à lei. Para tanto, evidentemente, igual nível de rigor se deve estabelecer para todo e qualquer deslize na ação policial.

Aliás, sem fiscalização rigorosa, moderna, impessoal e eficaz nada do que se fizer para melhorar as condições do trânsito brasileiro, nas cidades e nas estradas, dará qualquer resultado. Ao contrário, acabará por deteriorar ainda mais as condições de competição entre os agentes econômicos, tornando impossível a sobrevivência dos que tentarem cumprir a lei, em face dos que não a cumprem e acabam, por isso, podendo oferecer preços e condições impossíveis àqueles.

A certeza da ação correta e inexorável dos agentes da lei, mediante o uso de todos os instrumentos de fiscalização disponíveis, é a única maneira de fazer com que a suposta esperteza deixe de prevalecer, e as pessoas concluam que, afinal, esperto é quem age corretamente.

Tempo de direção
Outra medida essencial consiste em limitar o tempo de direção dos motoristas profissionais, autônomos ou empregados, através de uma norma de trânsito, tal como já se faz hoje, com sucesso, em toda a Europa, cujos índices de acidentes são infinitamente menores do que os nossos.

Pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), de 2002, mostra que, devido à ausência de regulamentação sobre o assunto, 51,5% dos autônomos trabalham entre 13 e 19 horas, e que nada menos que 56,8% dos entrevistados trabalham em média sete dias por semana. Estes são números médios. Há situações muito mais graves, em que o motorista praticamente não dorme durante vários dias, e se mantém acordado à base de anfetaminas (o famoso ?rebite?), para poder ganhar mais.

Essas drogas ilícitas são comercializadas livremente em postos à beira das rodovias e em outros locais de concentração de motoristas. Segundo relatos insuspeitos, há embarcadores inescrupulosos que, ao contratar o carreteiro, estabelecendo prêmios para o cumprimento de horários totalmente inviáveis e desumanos, juntamente com os documentos da viagem, notas fiscais etc., fornecem, também, o ?rebite?.

Estudos da maior seriedade, apresentados pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (ABRAMET), demonstram o efeito devastador da fadiga e da privação do sono sobre a saúde do motorista e como o ?rebite?, após manter o estado de vigília durante muitas horas, perde subitamente o efeito, dando causa aos mais graves acidentes, quando o condutor sequer toca no freio por estar ?dormindo de olhos abertos?, em estado quase catatônico.

Essas práticas são tão antigas quanto o transporte em nosso país. Tanto que, numa obra que já se fez clássica ? ?Em torno da sociologia do caminhão?, de 1961 ?, o hoje acadêmico e presidente da Academia Brasileira de Letras, MARCOS VINICIOS VILAÇA (também ministro e decano do Tribunal de Contas da União), diz a certa altura, ao comentar o transtorno das más condições das estradas, a que chamou de tradição do rodoviarismo brasileiro: ?Aliado a esse aquele outro de terem sido os motoristas os primeiros profissionais brasileiros a usar estimulantes?. Logo adiante já menciona, como usual, o termo ?rebite?. E acrescenta, com elegância: ?A ganância ou a necessidade de obtenção de melhoria financeira determina ao chofer que vire noite e dia. Apela-se ao estímulo químico, e muita viagem apressada em certa fase do trajeto tem acabado de trágicas maneiras, sem chegadas?.

A ganância ou a necessidade de melhorar o frete, apontada pelo autor como causa determinante desse procedimento condenável, é apenas o outro nome do mesmo fenômeno já referido anteriormente, qual seja a concorrência selvagem que caracteriza o setor. Ela já existia em 1961. Hoje, 45 anos depois, só mudou para (muito) pior.

Disciplinamento do setor
E aqui chegamos à causa primária de grande parte das mazelas apontadas anteriormente, que estão na raiz da insegurança do trânsito.

O excesso de peso e de tempo ao volante, o despreparo dos condutores, a frota obsoleta resultam, sem dúvida, do extremo aviltamento dos fretes, provocado pela ausência de regulamentação da atividade.

A ausência de barreiras de entrada e de requisitos técnicos e financeiros para o exercício da atividade leva ao excesso de oferta e à desorganização do setor. Provoca, por outro lado, distorções na nossa matriz de transporte, com a sempre lembrada e pouco compreendida hipertrofia do modal rodoviário.

O resultado é que o frete, em alguns segmentos (sobretudo no transporte em longas distâncias de grandes massas, de baixo valor agregado), acaba parecendo caro a quem paga (porque, provavelmente, aquele produto devesse ser transportado por modais de maior capacidade), embora seja miserável para quem o recebe.

Na verdade, muito em função disso, mas também em razão da completa desregulamentação do setor, o frete rodoviário brasileiro é, na verdade, um dos mais baratos do mundo. Há estudos sérios e isentos que demonstram que ele representa menos de um terço do que se pratica nos países desenvolvidos. É que estes se deram conta, já há muito tempo, que, em razão das fortes externalidades mencionadas no início, não poderiam deixar de regulamentar esta atividade, criando normas estritas para que o jogo de mercado pudesse ser jogado, sem o risco de os agentes envolvidos se verem às voltas com a lei das selvas, onde tudo se permite, já que o que se joga, a cada instante, é a própria sobrevivência.

O que há de muito grave nesta questão, e que aqui assume o caráter de verdadeira denúncia, é que, no Brasil, este caos foi desejado e programado. A teoria liberal extremada que desde sempre imperou nesta questão foi a de que, num país com as dimensões do nosso e com tão grande predominância do transporte rodoviário, era indispensável que este fosse tão competitivo quanto possível, de modo que os fretes fossem mantidos em níveis de subsistência, com margens muito estreitas, sob pena de a nossa economia perder competitividade.

Como normalmente acontece, receitas desse tipo, mesmo quando dão certo, levam a desastres monumentais logo adiante. Foi o que se deu neste caso. A estratégia funcionou à perfeição. Como se viu, o Brasil pratica fretes rodoviários muito baratos, mas as deficiências da estrutura logística brasileira acabam gerando custos invisíveis que neutralizam o benefício inicialmente imaginado e condenam o nosso país a conviver com um transporte caríssimo para o conjunto da sociedade. As contrapartidas inevitáveis do frete barato acabam sendo, entre outras, as mortes em quantidades absurdas, já destacadas; o elevadíssimo custo dos acidentes; o desperdício de combustível nobre (óleo diesel); a agressão ao meio ambiente.

Roubos de carga
Dados da Assessoria de Segurança da NTC&Logística indicam que, em 2005, ocorreram 10.650 ocorrências de roubos de carga, que trouxeram ao setor prejuízos de cerca de R$ 700 milhões. Desde 2002, observa-se uma tendência de estabilização desses números. Em 2005, verificou-se ligeira redução, fruto, certamente, das nossas diversas conquistas nesta área e da atuação mais eficaz dos organismos de repressão. Mas nada que nos permita comemorar, já que isso se deu em patamares ainda elevadíssimos.

É preciso prosseguir na luta para obter reduções mais significativas destes índices da criminalidade que se abate sobre o setor.

Entre outras propostas pontuais e específicas, discutidas e aprovadas no Fórum, verificou-se a necessidade urgente de:

? regulamentar a Lei Complementar no 121/06, que criou o Sistema Nacional de Fiscalização e Repressão ao Furto e Roubo de Veículos e Cargas, inclusive no que diz respeito à indispensável atuação da fiscalização fazendária na repressão a este tipo de delito;

? aprovar leis que possibilitem requerer o perdimento de bens dos receptadores; que regulamentem de forma estrita o desmanche de veículos e disponham sobre o controle desta atividade; que dêem tratamento tributário mais adequado ao contribuinte vítima de roubo de cargas.

A questão ambiental
Estatísticas publicadas pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) registram 1.558 acidentes anuais envolvendo transporte rodoviário de produtos perigosos. Desses, 59,7% causaram danos ao solo, ao ar, à água, à fauna ou à flora.

Atualmente, já existe uma forte consciência por parte da maioria daqueles que produzem, distribuem, transportam e comercializam produtos dessa natureza quanto à necessidade de ações preventivas. Existe, também, uma legislação bastante avançada. A tendência é que o rigor seja crescente e a fiscalização cada vez mais rigorosa. Não obstante, os acidentes continuarão a acontecer, como acontecem mesmo nos países mais adiantados, ainda que as estatísticas possam apontar para um declínio consistente da sinistralidade, em razão do controle social a que já se chegou neste particular.

Daí a preocupação com a responsabilidade civil do transportador com relação aos danos ao meio ambiente, em decorrência de acidentes com seus veículos e/ou com as cargas transportadas. É que esse passivo pode atingir níveis tão elevados que superam largamente a sua capacidade de honrá-lo.

É importante que isso seja do conhecimento da sociedade, até para que não se caminhe para um estado de ficção jurídica em que se apliquem multas gigantescas e sejam fixadas indenizações milionárias, sem que o transportador tenha a mais remota possibilidade de saldar umas e outras.

Trata-se, pois, de um caso típico em que o Poder Público deve se preocupar não só em fixar regras para o transporte, mas também em verificar se o operador tem condições técnicas, capacidade operacional e idoneidade econômico-financeira para prestar o serviço sem causar danos indesejáveis ao meio ambiente. E, caso ocorra a circunstância indesejável, se ele tem condições de reparar os danos que vier a causar.

Discutiu-se no Fórum a conveniência de se estabelecer um seguro específico para tanto e as vantagens e desvantagens de torná-lo obrigatório, no mínimo para quem pretender transportar produtos perigosos.

Aliás, a questão da responsabilidade civil e da cobertura de seguros é um dos pontos centrais de qualquer discussão sobre a regulamentação do Transporte Rodoviário de Cargas, a exemplo do que acontece no mundo inteiro.

Conclusão
Reverter o quadro vergonhoso que foi desvelado ao longo do nosso Fórum deve constituir-se em prioridade nacional. E, também, em questão de honra para os que vivem do TRC.

É uma enorme vergonha o tempo interminável durante o qual temos arrastado um problema deste tamanho ? milhares de mortos e bilhões de reais por ano. A precisão dos números, aqui, nem é tão importante. A ordem de grandeza já é suficientemente macabra, assustadora, deprimente.

Ainda mais quando se verifica que, pelo menos no que diz respeito ao TRC, esta tragédia foi quase planejada. Se não foi desejada, foi pelo menos assumida como um risco social, a ser compensado por supostos benefícios econômicos. Diante deste quadro, impossível não lembrar NELSON RODRIGUES: ?O subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos?. No nosso caso, de décadas. Pelo menos cinco ou seis.

A sociedade norte-americana está mobilizada, e o governo, lá, corre o risco de perder as eleições parlamentares que se realizarão em breve, porque ninguém se conforma com os 2,8 mil soldados americanos mortos desde o início da guerra do Iraque. Trata-se de uma guerra, e os mortos são soldados: cerca de 750 por ano. Aqui, como se viu, sem guerra declarada, 34 mil civis são mortos por nada, todos os anos. E ninguém se comove. No Governo, no Congresso, na mídia, na sociedade; exceto, naturalmente, quando a vítima é alguém muito conhecido ou próximo da gente. Aí o número vira nome, ganha rosto. Comoção, um outro discurso, às vezes uma manifestação pública. Mas o tempo é implacável. Logo volta a reinar a passividade bovina, olhos tristes e conformados, a caminho do matadouro.

Ao contrário disso, os participantes do Fórum Nacional de Segurança para o Transporte de Cargas, diante do que viram, ouviram e debateram durante dois dias, assumiram o compromisso de lutar incansavelmente pela reversão deste quadro triste, desolador, vergonhoso. Pela mobilização da sociedade; pela sensibilização das diversas áreas do Governo Federal e, também, dos governos estaduais, no âmbito de suas competências; das diferentes forças políticas que compõem o Congresso Nacional; de toda a sociedade, enfim.

Notícias animadoras foram trazidas pelo DENATRAN, no que diz respeito à implantação de um sistema estatístico totalmente informatizado, com possibilidade de ser geo-referenciado, para um acompanhamento quase on line das ocorrências em todo o Brasil. Porque de nada adianta implantar um conjunto de medidas, como as preconizadas neste Fórum, se não houver informações estatísticas confiáveis e, tanto quanto possível, contemporâneas, que se transformem em indicadores de desempenho, a medir os resultados efetivos daquelas providências, e permitam eventuais correções de rumos.

Para alimentar a nossa crença na possibilidade de vencer este enorme desafio, vale encerrar com a visão essencialmente otimista do saudoso DARCY RIBEIRO, para quem ?O subdesenvolvimento brasileiro não é destino. É doença, que, aliás, tem cura?.

Rio de Janeiro, 26 de outubro de 2006.
p/ FÓRUM NACIONAL DE SEGURANÇA PARA O TRANSPORTE DE CARGA

Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística

GERALDO VIANNA
Presidente

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