Santo Amaro da Imperatriz, 29.4.09 – Os mais experientes a consideram traiçoeira. Se subestimá-la, já era. A vida está em jogo a cada curva. Na BR-282, o encanto das paisagens e a ligação com o Oeste do Estado deram lugar a tragédias nos últimos anos.
Em 12 anos de convivência com a rodovia, o motorista de ônibus Célio França carrega, diariamente, o peso da responsabilidade, levando passageiros da Capital para o Oeste e de volta.
– É uma estrada perigosa. As curvas puxam, se chover tem que tirar o pé porque, se der bobeira, ela leva para fora – decreta, pouco antes de seguir para mais uma viagem com o ônibus da empresa que faz a linha Florianópolis-Dionísio Cerqueira.
Nos últimos anos, conta, a BR-282 melhorou bastante, ganhou asfalto novo em vários trechos, mas também aumentou o tráfego pesado.
– Os carreteiros (motoristas de caminhão) são fogo, vêm com tudo para cima da gente mesmo. E quem não conhece o trecho se apavora – informa, insinuando que não adianta bancar o mais forte com os caminhões pesados, realidade da rodovia nos seus mais de 600 quilômetros.
Dilmar Brisola, 33 anos, colega de estrada e com 13 anos de experiência na BR-282, diz que as “curvas-cotovelo” (fechadas) exigem alerta antecipado. Para quem não conhece bem, assinala, de uma hora para outra está sujeito às armadilhas.
O trecho sinuoso, entre Palhoça e Alfredo Wagner, é um dos mais perigosos da BR-282. Há pontos em que a velocidade máxima deve ser de 40 Km/h, como no Km 65, onde o ônibus da empresa argentina Emilio Viajes passou reto e despencou na ribanceira de mais de 60 metros, na noite de domingo passado, em Rancho Queimado, provocando a morte de oito aposentadas argentinas.
Polícia Rodoviária Federal considera razoável a estrada
A região passa por obras de recuperação das encostas que desmoronaram com a enchente de novembro de 2008. Isso aumenta a necessidade de atenção com os operários e as máquinas na pista. Mas há mais quatro pontos que exigem cuidado e são tratados como perigosos na rodovia. Um deles é o Km 630, em Descanso, no Oeste, na curva onde morreram 27 pessoas em dois acidentes seguidos na noite de 9 de outubro de 2007.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) recomenda cautela também na Via Expressa – em Florianópolis –, em Catanduvas, Irani e São Miguel do Oeste, no Oeste catarinense. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) considera a estrada razoável e diz que há fluxo maior nas BRs 101, 470 e 116.
– Há trechos em obras, de descidas e subidas e com veículos carregados que obrigam o motorista a ter paciência. Mas esses acidentes (Rancho Queimado e Descanso) foram atípicos – avalia o inspetor Vilson Bossei, chefe de comunicação da PRF, ao analisar a BR-282.
Assim como a PRF e a Polícia Civil, os motoristas de ônibus ouvidos pelo DC suspeitam de excesso de velocidade pelo motorista do ônibus argentino, Daniel Meza, 25 anos, que está preso. Observaram, também, que outras causas podem ter contribuído para que Meza perdesse a direção.
Para eles, devem ser levados em conta se estava descansado, se conhecia bem o trajeto e se tinha experiência em viagens longas em rodovias de outro país. O motorista negou imprudência e disse que saiu da pista após colidir contra um caminhão, que teria cortado a sua frente e também por ter ficado sem freios.
Trajeto é número um dos hermanos
O ônibus argentino acidentado em Rancho Queimado cruzaria toda a BR-282, até Dionísio Cerqueira, no Oeste do Estado, e seguiria até a Província de Misiones, na Argentina. Esse é um dos principais caminhos dos ônibus do país vizinho que partem para o Litoral catarinense a cada ano, principalmente durante os meses da alta temporada.
Para chegar a Santa Catarina, os argentinos também costumam entrar pelas BRs 101, 116 e 470. Na BR-282, em Dionísio Cerqueira, na região fronteiriça com a Argentina, os ônibus estrangeiros entram no Brasil sem a fiscalização permanente da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
O local não conta com posto ou delegacia da PRF – o mais próximo fica em Chapecó, a 175 quilômetros. Policiais rodoviários defendem a construção de um posto em Dionísio Cerqueira. Uma das prioridades seria a de fiscalizar as condições dos coletivos.
As rodovias federais catarinenses ganharam desenvolvimento maior a partir da década de 1970, mas de lá para cá, pouco foi feito em se tratando de ampliações. Para o presidente da Federação das Empresas de Transportes de Cargas e Logística no Estado (Fetrancesc), Pedro Lopes, as estradas federais catarinenses são problemáticas, palcos de tragédias e refletem uma imagem negativa.
282 foi segunda BR que mais matou no ano passado
A Fetrancesc cobra sinalização mais contundente aos motoristas brasileiros e estrangeiros, além da reativação das lombadas eletrônicas e dos postos de pesagens para os caminhões.
A BR-282 é a segunda rodovia federal que mais matou em acidentes de trânsito no Estado em 2008. Foram 119 vidas perdidas (este ano já são 34). O número é considerado alto, embora bem inferior ao da BR-101, onde 212 mortes foram registradas, no ano passado, no trecho catarinense. Em todas as BRs do Estado, 530 pessoas morreram em 2008.
Duplicação da Via Expressa na promessa
A duplicação de cerca de 20 quilômetros da BR-282, de Florianópolis a Santo Amaro da Imperatriz, continua em estudo pelo DNIT. Para a construção de quatro novas faixas, na entrada e saída da Capital, na chamada Via Expressa, a concorrência das obras sequer iniciou.
O tráfego diário na parte da Grande Florianópolis é de 15 mil veículos, aumentando significativamente no verão. Segundo o supervisor de obras emergenciais do DNIT na BR-282, engenheiro João José Vieira, as obras de contenção das encostas entre Palhoça e Alfredo Wagner devem ser concluídas em 60 dias. Ele considera a rodovia em boas condições.
O secretário de Estado do Turismo, Gilmar Knaesel, disse que as autoridades devem voltar a discutir a segurança nas estradas catarinenses para evitar tragédias. Mas para Knaesel, são fortes os indícios de que houve falha mecânica ou humana no acidente de Rancho Queimado.
400 mil argentinos teriam visitado o Estado neste ano
Neste ano, o secretário estimou que 400 mil turistas argentinos visitaram o Litoral catarinense. Destes, apenas 30 mil vieram de avião. A maioria viajou de carro ou de ônibus.
O cônsul da Argentina na Capital, Alberto Coto, frisou que o número é maior que em 2008, quando 210 mil argentinos estiveram no Estado.
O cônsul ressaltou que a conclusão da duplicação da BR-101 Sul será fundamental para melhorar o deslocamento dos turistas e pediu esforço maior dos governos nesse sentido. Coto classificou o acidente com o ônibus como uma catástrofe e enalteceu o atendimento e a solidariedade dados pelos catarinenses.
Fonte: Diário catarinense – 26.4.09