Três histórias da espera de uma década pela BR-101

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Três histórias da espera de uma década pela BR-101

Porto Alegre, 26.6.08 – Naquela sexta-feira, 26 de junho de 1998, o clima era de campanha eleitoral quando o presidente Fernando Henrique Cardoso, em viagem ao Estado, entregou uma ordem de serviço a Paulo Gilberto Betat Moraes, o Paulinho, autorizando o início da duplicação da BR-101.
– Sucesso na obra – desejou FH a Paulinho, na época supervisor da empreiteira Camargo Corrêa, em ato que simbolizou o início de um dos mais esperados investimentos do sul do Brasil.
As previsões eram otimistas: primeiro, seriam duplicados seis quilômetros, em Osório, e logo se iniciariam as ampliações dos restantes 88,6 quilômetros que ligam o município a Torres, no Litoral Norte – um empreendimento capaz de garantir segurança e rapidez nos deslocamentos entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O trecho sul da BR-101, porém, continua no sonho de gaúchos e catarinenses. Na melhor das hipóteses (se não chover em excesso, se não faltar recursos, se a sorte ajudar…), a conclusão ocorrerá em dezembro de 2009 – 11 anos e seis meses após as primeiras patrolas ocuparem a pista.
Zero Hora relata os percalços de uma obra que parece interminável a partir da história de três personagens: o economista Paulinho, o operário Clésio da Silva Pazzin, colega de Paulinho e um dos três trabalhadores presentes àquela cerimônia, e Ildo Szymanski, que migrou com a família de Frederico Westphalen, no norte do Estado, em agosto de 1988, com o sonho de poder lidar “na conservação e duplicação da BR-101”.

O início das obras em apenas seis quilômetros

Durante parte da última década, o projeto de duplicação da BR-101 esbarrou em diferentes tipos de empecilhos: técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) paralisaram licitações, remanescentes de quilombos, em Morro Alto, exigiram reparação econômica para que suas áreas virassem estrada, ativistas alertaram para danos ambientais e, sobretudo, faltou vontade ao governo.
– Houve problemas para a conclusão dos projetos, mas é verdade que, se tudo estivesse perfeito, não teríamos recursos para iniciar as obras – reconhece hoje o deputado federal Eliseu Padilha (PMDB/RS), ministro dos Transportes entre 1997 e 2001.
Aos 58 anos, Paulinho, que recebeu a ordem de serviço das mãos de FH naquele início de inverno de 1998, não alimentava ilusões.
– Era apenas um pequeno trecho previsto em contrato que iria começar. Eu sabia que ainda faltava muito para toda a rodovia ser duplicada – recorda Paulinho, hoje morando no departamento de Potosí, na Bolívia, onde atua em um empreendimento rodoviário.
Não era a idéia manifestada pelos presentes à festança. Em reportagem publicada em ZH, naquele mesmo 26 de junho, fontes do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner) informavam que as “obras do trecho gaúcho devem terminar no ano de 2000”. Traduzindo: até o início da década atual, a BR-101 seria uma espécie de freeway.

Discussões, burocracia e nada de agilidade

Na prática, o que se encerrou em 2000 foram apenas os seis quilômetros no perímetro urbano de Osório. Escalado por Paulinho para participar da solenidade, o operário Clésio da Silva Pazzin, na época com 30 anos, nutria esperança de permanecer por um longo período próximo de casa.
– Quando aparece uma obra deste tamanho, é um achado bom demais. Esperava trabalhar na duplicação de todo trecho para ficar um bom período perto de casa – recorda Pazzin, fotografado no alto de um trator de esteira D4.
A esperança de Pazzin não se confirmou. E como é comum na sua profissão, ele rodou o Estado pilotando tratores.
Concluída a etapa inicial, veio um período de angústias e incertezas: consumido pela burocracia e com os cofres raspados, o governo federal emperrou as obras. Entre 2000 e 2004, discussões, audiências públicas e promessas, como uma feita pelo presidente Fernando Henrique, em abril de 2000:
– Posso garantir que, até o final deste ano, a obra estará concluída, desde São Paulo até Osório.
Enquanto as obras não se iniciavam, a BR-101, que Pazzin apelidou de “açougue”, contabilizava tragédias. De janeiro de 2001, quando supostamente estaria pronta, a dezembro de 2004, ano em que as obras recomeçaram, 1.413 acidentes de trânsito ocorreram na BR-101, deixando 647 feridos e, no mínimo, 74 mortos.

Uma nova cerimônia, e a retomada dos sonhos

No final de 2004, Paulinho, que se mudara para Estrela, voltou ao Litoral. Iria encontrar outro presidente: Luiz Inácio Lula da Silva. Em mais uma festa, desta vez em Torres, o filme se repetiu: políticos, líderes locais e, das mãos do presidente, novamente Paulinho recebeu a ordem de serviço dando início às obras.
– Já trabalhava em outra empresa, mas o pessoal do PT disse que o presidente Lula queria entregar a ordem de serviço para a mesma pessoa que recebeu em 1998 – confidencia.
De Lula, Paulinho diz ter ouvido:
– Agora a obra vai sair!
Desde o recomeço, o ritmo jamais foi frenético. Licitada em R$ 450 milhões (o governo estimava R$ 600 milhões) e prevista para ser concluída em três anos, a modernização custará, de fato, R$ 750 milhões. E levará, no mínimo, quatro anos e meio.
– As desapropriações, as escavações dos dois túneis e as chuvas contribuíram para o atraso – explica o superintendente regional do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (Dnit), Marcos Ledermann.

Fecha-se um ciclo na família Szymanski

Os próximos 18 meses têm um significado especial para a família Szymanski. Vinte anos após ser transferido do extremo norte do Rio Grande do Sul para Osório, com a mulher, Inelde, e a recém-nascida Juliana, o administrador Ildo está prestes a concluir um ciclo profissional em sua vida. Em 1988, quando já se falava no assunto, a Camargo Corrêa, grupo ao qual era vinculado, enviou-o para o Litoral Norte. O motivo: atuar nas obras de manutenção e duplicação da BR-101.
– Só trabalhei na manutenção da rodovia. Saí da empresa em 1996, antes do começo das atividades (de duplicação) em Osório – recorda.
Vivendo com a mulher e Mariana, 15 anos, a filha mais nova do casal, Szymanski permaneceu em Osório acalentando uma expectativa:
– Sempre pensava: um dia vou acabar trabalhando de novo na BR-101.
Graças à morosidade crônica do Estado, a esperança de Szymanski se confirmou. Ele foi contratado como auxiliar de pessoal pela construtora responsável e atuará na etapa final da duplicação.

Por que demora a obra

1 – Falta de planejamento de longo prazo. Em função dos Planos Plurianuais (PPAs), feito a cada início de mandato, os planejamentos são de, no máximo, quatro anos. Grandes empresas, por exemplo, conseguem fazer seus planejamentos estratégicos entre cinco e 10 anos. Seria necessário desburocratizar e flexibilizar os orçamentos dos governos (União, Estados e municípios). Como conseqüência, há descontinuidade de obras.
2 – As questões técnicas e de preço não são suficientemente pensadas no projeto da obra. É necessário levar em consideração todo o entorno da obra e todos os atores envolvidos (sociedade, usuários, fornecedores). Não adianta, por exemplo, projetar trabalhos de 12 horas ao dia, se em função de restrições ou razões de segurança só é possível trabalhar de madrugada, por exemplo. É necessário levar em consideração todos os agentes envolvidos.
3 – Ocorrem imprevistos que fazem parte do negócio, como questões ambientais ou de natureza (desmoronamentos, falta de maquinários, solo diferente do previsto, por exemplo) que normalmente não estão previstas em editais. Isso gera ajustes ou mesmo novas licitações, o que resulta atraso. Fonte: Luis Roque Klering, professor de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Promessas

Eliseu Padilha, ex-ministro dos Transportes (junho de 1997)
“Todas as duplicações previstas para a BR-101 estarão concluídas em junho do ano 2000.” (fevereiro de 1998) “Até meados do ano 2000 a estrada estará duplicada.” Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, (abril de 2000) “Posso garantir que, até o final deste ano, a obra estará concluída, desde São Paulo até Osório, no Rio Grande do Sul.”
Paulo Sérgio de Oliveira Passos, ex-ministro interino dos Transportes (janeiro de 2002)
“A duplicação do trecho sul deve ser iniciada ainda no começo do segundo semestre.”
Anderson Adauto, ministro dos Transportes (janeiro de 2003)
“Espero que as obras de duplicação da BR-101, no trecho entre Osório e Palhoça, tenham início ainda em 2003, no segundo semestre.”
Fonte: Zero Hora

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