São Paulo, 16.7.07 – A logÃstica ? no que se refere à operação eficiente e integrada de carga entre os sistemas rodoviário, ferroviário, aéreo e de navegação ? é um dos eixos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Mas, apesar da importância e dos investimentos, o setor enfrenta problemas graves, que geram prejuÃzos anuais da ordem de US$ 5 bilhões, conforme detalha, em entrevista ao Diário, Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral (MG) e doutor em Engenharia de Transportes e LogÃstica pela University of Illinois, nos EUA.
DIÃRIO – Sobre a necessidade da expansão do sistema de ferrovias, a iniciativa privada já está no setor há 10 anos, mas os avanços não dão conta da demanda. O que falta para a ferrovia crescer?
PAULO RESENDE ? Um melhor modelo de expansão da malha fÃsica a partir do momento em que as atuais concessionárias só investem em sua malha concedida e, mesmo assim, onde existe garantia de demanda de carga. Quanto ao investimento público, somente algumas obras estão contempladas no PAC como, por exemplo, a Transnordestina e alguns acessos portuários. O que falta é uma plataforma de crescimento da malha fÃsica com garantias de retorno para o investidor privado, principalmente empresas estrangeiras, para que a malha possa crescer de forma orgânica, sobretudo na Região Centro-Oeste em direção aos portos do Norte do Brasil.
DIÃRIO ? A necessidade de mais e melhores concorrências no setor ferroviário, hoje restrito a poucas empresas, é reclamação geral. Como exatamente seria uma abordagem ideal?
RESENDE ? A abordagem ideal deve se dar pela concessão de malha a quem não tem carga própria. A partir do momento em que o modelo de privatização da malha se deu em 1996 para empresas que transportam suas próprias cargas, mesmo assim concentradas em um tipo de produto (no caso, o minério de ferro), impede-se uma maior eficiência de mercado, no qual pouco investimento é feito para cargas de maior valor agregado e peso bruto menor. É conceder a malha para prestadores de serviços logÃsticos e não donos de cargas.
DIÃRIO ? Entre 1997 e 2005, a taxa de crescimento do investimento no setor ferroviário foi de 32,62%. Quanto calcula que seria o ideal de investimento no setor nos próximos anos? Caso esse patamar ideal fosse atingido, seria possÃvel fazer um exercÃcio de futurologia e prever um aumento de quanto no PIB?
RESENDE ? Se continuarmos nesse nÃvel, está ótimo. PoderÃamos prever aumento na participação ferroviária na matriz de 26% para 33%, o que implicaria em um crescimento de cerca de 10% do PIB.
DIÃRIO ? Os investimentos do governo nas rodovias se mostram insuficientes, especialmente na manutenção. Essa é a principal fragilidade das estradas nacionais? RESENDE ? Sem dúvida. O governo federal não tem condições de garantir investimentos permanentes em manutenção. Em outros paÃses existe um grande movimento de concessões rodoviárias justamente para garantir permanência destes recursos. Temos de seguir este caminho.
DIÃRIO ? No Grande ABC, uma das soluções propostas pelos especialistas em logÃstica é a abertura da terceira pista da Imigrantes. Como vê a proposta?
RESENDE ? O Grande ABC é muito importante para a economia brasileira para não receber ao longo dos anos os investimentos necessários em infraestrutura logÃstica. A terceira pista da Imigrantes iria descongestionar imensamente o fluxo. No entanto, outras intervenções são necessárias, principalmente quando se pensa na região como um importante corredor logÃstico brasileiro. É preciso pensar o Grande ABC como um complexo sistema viário que merece destaque nos investimentos tanto do governo federal quanto do Estadual.
DIÃRIO ? O terminal Barnabé-Bagres, em Santos, teve seu estudo de viabilidade econômico-financeira aprovado pelo Banco Mundial. Com a implementação, a capacidade operacional de Santos vai dobrar. Neste cenário, quais seriam as demandas urgentes na logÃstica?
RESENDE ? Acesso ao Porto. Se não investirmos em acesso portuário, daqui a pouco estaremos com um excelente porto, mas incapazes de chegar até lá. É preciso pressão polÃtico-administrativa para liberar investimentos e entraves para os anéis rodoferroviários, acessos rodoferroviários e também ampliação de áreas de retroporto que garantam um escoamento eficiente das cargas.
DIÃRIO ? Especificamente em relação ao Porto de Santos, muitos operadores e agentes logÃsticos citam as dificuldades com a mão-de-obra. Este seria um dos principais gargalos ainda hoje ou não? E as despesas com contratação encareceriam os custos portuários?
RESENDE ? É um dos gargalos. Eu diria que a falta de mão-de-obra especializada e até mesmo a escassez de oferta, dado o crescimento da demanda, podem chegar a encarecer em até 20% dos custos portuários. É preciso investir em escolas para formação de mão-de-obra, inserção de comunidades portuárias ao treinamento e capacitação, enfim garantir que a mão-de-obra portuária não chegue aos limites como estamos vendo no setor aéreo.
DIÃRIO ? Quais as causas e possÃveis soluções do caos aéreo?
RESENDE ? Vejo como causas o descaso histórico com investimentos permanentes em tecnologia e mão-de-obra. No Brasil, estamos acostumados em investir quando as crises chegam, é a cultura da reação ao invés da prevenção. Entre as possÃveis soluções, insisto em, definitivamente, colocar à frente das decisões gestores profissionais, pessoas que entendam do sistema aéreo, investimentos imediatos em contratação de mão-de-obra e, sobretudo, plano de longo prazo que crie modelo de gestão no setor.
DIÃRIO ? Qual a estimativa sobre quanto a falta de logÃstica integrada aumenta o custo Brasil?
RESENDE ? Calculamos em torno de US$ 5 bilhões por ano. Isso quer dizer que estamos perdendo tal quantia a cada ano que continuarmos com tal ineficiência logÃstica. Para chegar a tal valor, foram levados em consideração os gastos logÃsticos relativos nos Estados Unidos, que servem de parâmetro para a logÃstica brasileira (já que são relativos) e o que gastamos a mais na proporção relativa.
DIÃRIO ? Quais os principais gargalos que o senhor observa na logÃstica nacional?
RESENDE ? Nesta ordem: rodovias federais; portos; falta de integração multimodal; falta de hubs (centros que recebem, separam e distribuem vôos para determinada região); aeroportuários tanto para cargas quanto para passageiros; falta de capacidade de armazenagem; pouca presença do modal ferroviário em cargas de maior valor agregado; completo desequilÃbrio na matriz de transportes e burocracia excessiva, aliada à falta de mão-de-obra especializada.
DIÃRIO ? Como avalia o governo Lula em relação ao planejamento e implementação das medidas necessárias ao setor? O PAC tem mecanismos eficazes para virar realidade?
RESENDE ? O governo Lula acordou a Nação para os problemas de infra-estrutura. É um diferencial histórico. Mas, os investimentos ainda têm sido insuficientes. Fonte: Diário do Grande ABC