São Paulo, 24.9.08 – Enquanto no Brasil ainda se discute o atraso na regulamentação da lei para diminuir o nÃvel de enxofre no diesel, a Europa busca saÃdas para fazer os caminhões funcionarem sem diesel. Na Alemanha, a indústria já prevê o fim do motor a combustão. Esse alto nÃvel de debates dos europeus sobre o futuro do transporte de cargas e passageiros serve para mostrar o tamanho do abismo entre o desenvolvimento de tecnologias para caminhões e ônibus nos paÃses desenvolvidos e no Brasil. As discussões na apresentação do IAA 2008, a 62ª edição da maior feira de veÃculos comerciais do mundo, em Hannover, ontem, passam longe da polêmica em torno do nÃvel de emissões no Brasil. No caso brasileiro, descuidos jogaram para daqui a dois anos a regulamentação da lei que em janeiro de 2009 reduziria o nÃvel de poluentes dos veÃculos pesados. Na Europa, que já usa caminhões hÃbridos, o foco gira em torno do aprimoramento dos motores elétricos, busca de novas tecnologias e o envolvimento do poder público para forçar os transportadores a renovar a frota por produtos econômicos e menos agressivos ao meio ambiente. Os fabricantes contam com o aumento da procura por caminhões por conta do crescimento das economias emergentes e o avanço do fluxo de mercadorias entre os paÃses e também esperam vender mais veÃculos de entregas leves como resultado da elevação de compras via internet. “O mundo ainda vai precisar de caminhões e ônibus mesmo quando o motor a combustão passar a ser parte da história”, disse Andreas Renschler, o principal executivo da Daimler Trucks, uma das divisões do maior fabricante de caminhões do mundo, dona da Mercedes-Benz. Junto da equipe de executivos que comanda o grupo alemão, Renschler inaugurou o salão de Hannover para a imprensa mundial prevendo que nos próximos dez anos esse setor vai mudar mais do que nos últimos 50. “O diesel está se transformando quase em um artigo de luxo”, destacou. Entre os 80 modelos que esse grupo mostra em Hannover, há novidades como vans que usam o sistema que interrompe o funcionamento do motor quando o veÃculo está parado no trânsito. Na Europa, o programa de redução de nÃveis de emissões em veÃculos movidos a diesel está na fase chamada de euro 5 e vai para a euro 6 em 2013. O Brasil está na etapa equivalente à euro 3. Mas as mudanças nas leis dos motores movidos a diesel vai perdendo importância na Europa porque o foco é outro. A mudança no padrão da mobilidade já movimenta a indústria de autopeças. A Bosch, maior fabricantes de peças do mundo, detecta crescimento da demanda por novas tecnologias mesmo em regiões de vendas de veÃculos estagnadas, como a Europa, em virtude da necessidade de reduzir o consumo. Segundo a empresa, hoje cada ponto percentual na redução de consumo de combustÃvel resulta em um ganho médio de ? 900 em um caminhão que roda 150 mil quilômetros por ano. “Acima de 150 mil quilômetros, uma caminhão da etapa de emissões euro 5 gasta ? 10 mil menos que um modelo da fase euro 3”, disse o presidente do conselho do grupo Bosch, Bernd Bohr. Somente com vendas de tecnologia para veÃculos comerciais a Bosch espera faturar ? 7,8 bilhões este ano e ? 8,7 em 2009. A empresa registra taxas de crescimento anual acima de 10% nesse segmento. Novos sistemas eletrônicos, peças como filtros e até mesmo inovações no desenho de uma peça influenciam nos meios de reduzir consumo e emissões hoje na Europa. Como o cliente pode ter um caminhão feito “sob medida” ele é quem vai definir quanto quer de inovações. Em compensação, cada ganho pesará na quantidade de incentivos fiscais e taxas, como pedágios mais baratos. O setor automotivo já testa até meios de reduzir consumo em veÃculos que precisam constantemente brecar, como caminhões de lixo. Um sistema que garante um ganho de 25% nesses veÃculos está em teste em Berlin. Embora o desenvolvimento de tecnologias limpas e econômicas esteja a pleno vapor, a indústria automobilÃstica continua planejando a expansão da sua atividade nos mercados emergentes, onde o controle de emissões é, por enquanto, muito menos rigoroso. Para compensar a estagnação nos seus mercados de origem, todos os fabricantes de veÃculos comerciais têm planos ousados de crescimento na Ãsia, América do Sul e Leste Europeu. De janeiro a agosto, as vendas do grupo Daimler cresceram 17% na América Latina, 14% no Leste Europeu, 11% no Oriente Médio e 60%, no Sudeste Asiático. O crescimento da Ãndia tem impressionado as empresas, que se apressam em fechar acordos com parceiros locais, num processo semelhante ao que fizeram na China. Para o Brasil, a Mercedes-Benz tem um programa de aumento de capacidade de 25%. Nos oito primeiros meses do ano, a divisão de veÃculos comerciais da Volkswagen registrou aumento nas vendas de 30% para o Leste Europeu, 87% somente na Rússia, 25% na América do Sul, 32% no Brasil e apenas 3,2%, na Europa Ocidental. Na italiana Iveco, embora a Europa Ocidental ainda represente 80% da sua receita, o crescimento nos paÃses emergentes vai compensar a estagnação no continente europeu, segundo Paolo Monferino, principal executivo da empresa. Recentemente a Iveco redefiniu sua estratégia de ampliação industrial fora da Europa. Como um dos primeiros efeitos, as vendas no Brasil mais do que dobraram em apenas um ano. A Man, um fabricante que não atua no Brasil, prevê crescer no Leste Europeu, Ãndia e China, principalmente, e já faz planos para Ãfrica e Oriente Médio no longo prazo, segundo o principal executivo, Anton Weinmann. Em um discurso, ontem, Bohr, da Bosch, apontou a economia de combustÃvel, proteção ambiental e melhorias na prevenção de acidentes como o tripé cujas coordenadas “são idênticas em todo o mundo, a despeito das diferenças nas condições entre paÃses industrializados e mercados emergentes”. Ao responder sobre a dificuldade de o Brasil implantar uma nova lei de emissões, Bohr disse ao Valor que é preciso entender as dificuldades de aumentar os custos dos veÃculos em determinados mercados. Cálculos da Daimler indicam um acréscimo de ? 40 mil no preço de determinados veÃculos vendidos na Europa quando as tecnologias com motores elétricos forem instaladas. Um caminhão médio custa na Alemanha em torno de ? 55 mil.
Brasil exporta apenas para emergentes
O fato de o Brasil ser o único paÃs do mundo onde a Volkswagen desenvolveu a produção de caminhões costuma aguçar a curiosidade da imprensa mundial. No primeiro dia de apresentação do salão de Hannover, ontem, alguns jornalistas voltaram a questionar os executivos da empresa sobre a possibilidade de extensão dessa atividade a outro mercados. Ou mesmo de exportar os produtos brasileiros para a Europa. A Volks Caminhões tem planos de ampliar exportações a partir do Brasil e também aumentar o número de fábricas que fazem a montagem dos veÃculos com peças enviadas pela fábrica brasileira, como é o caso da Ãfrica do Sul. Mas no mapa de expansão mundial dos caminhões Volks aparecem Ãfrica, Ãndia e China. Europa Ocidental e outras regiões do Primeiro Mundo estão fora. O Brasil atraiu muitos fabricantes e se especializou na produção de caminhões e ônibus. Mas, na média, esses veÃculos não atendem aos padrões de exigência dos mercados desenvolvidos. Principalmente no que se refere à s emissões de poluentes. Os jornalistas europeus só conseguem entender melhor essa situação quando questionam o nÃvel de emissões dos motores dos caminhões fabricados no Brasil. A distância dos padrões encerra a conversa. Em 2009, a Volks começará a produzir uma picape com capacidade para uma tonelada na fábrica da Argentina. O veÃculo argentino será vendido na América Latina e Ãfrica do Sul. Modelo igual será produzido na Europa em 2010. A diferença será o motor. Sem revelar as caracterÃsticas, o presidente mundial da divisão de veÃculos comerciais da Volks, Stephan Schaller, diz que o motor da picape para a Europa será “ultra-moderno e com consumo reduzido” que passa por desenvolvimento. Segundo os executivos, a diferença entre as futuras tecnologias de motorização, que distanciam os caminhões brasileiros dos europeus, não se sustenta apenas na questão econômica, mas também na disponibilidade energética. O presidente da divisão de caminhões da Volkswagen, Roberto Cortes, diz que no Brasil, a futura fonte alternativa de energia desses veÃculos deverá ser o biodiesel.
Fonte: Valor Econômico