Florianópolis, 3.3.05 -As exigências para cumprimento de prazos que as transportadoras de todo o paÃs supostamente impõem aos caminhoneiros estimulam o mercado de anfetaminas nas rodovias brasileiras, constata o presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens de Santa Catarina, Francisco Biazotto.
As péssimas condições das estradas contribuem para que os motoristas fiquem de dois a três dias sem dormir, sob efeito de estimulantes do sistema nervoso central, acrescenta Biazotto, de 60 anos.
Para o dirigente, a venda e consumo do “rebite”, como as anfetaminas são chamadas pelos caminhoneiros, são muito “mais graves do que a sociedade pode imaginar”.
Após 33 anos de estradas, o presidente do sindicato se arrisca a dizer que “um percentual máximo dos caminhoneiros” se utiliza desse dispositivo para não perder a fonte de renda. Representando 25 mil caminhoneiros autônomos no Estado, Biazotto diz que a PolÃcia Rodoviária Federal (PRF) precisa divulgar com mais intensidade as causas de acidentes.
– Todo o acidente com caminhão, a PRF deveria ver a hora e o local de onde o caminhoneiro começou a viagem até o local da colisão. O uso de rebite é tão comum no meio que não sabemos qual será a próxima vÃtima de um caminhoneiro dopado – disse.
Na opinião dele, falta vontade polÃtica aos governantes que estão emperrando a votação para uma legislação especÃfica sobre o horário máximo de trabalho para os profissionais da estrada. Os motoristas de caminhão precisam de um horário, previsto pelas transportadoras, para trabalhar, como há em todas as outras profissões.
Categoria reivindica trabalho de até 12 horas
Segundo Biazotto, não é do interesse das transportadoras que um caminhoneiro dirija, por exemplo, cerca de 12 horas por dia. Como a “bancada” das transportadoras é muito forte, pessoas continuam morrendo pela imprudência cometida pelos motoristas de caminhões, que são estimulados pelo donos de transportadoras.
– Não estamos defendendo uma carga horária de oito horas como a maioria dos trabalhadores exerce, porque eles estão na estrada e não querem horário de lazer e outros. Mas precisamos ter um horário máximo de 10 a 12 horas por dia, para que os motoristas possam fazer suas refeições e dormir com tranqüilidade – espera Biazotto.
O que diz o diretor da Fetrancesc
O diretor-executivo da Federação das Empresas de Transportes de Cargas no Estado de Santa Catarina (Fetrancesc), Pedro Lopes, negou que o consumo de anfetaminas por caminhoneiros esteja relacionado a jornadas de trabalho impostas pelas empresas catarinenses.
Ele afirmou ontem que a entidade não determina o cumprimento de horários que possam colocar em risco a segurança do profissional, cumpre as regras da legislação trabalhista e treina seus funcionários.
Conforme Lopes, a Fetrancesc defende junto ao Congresso Nacional a aprovação de uma lei que estabelece jornada de meia hora de descanso a cada quatro horas de trabalho para os motoristas. A entidade também pede a fiscalização contra consumo de drogas ilÃcitas e proibição da venda de bebidas alcoólicas ao longo das rodovias.
Para Lopes, o motorista autônomo, que tem seu próprio veÃculo e trabalha para pagar prestações e sustentar a famÃlia, é mais suscetÃvel ao consumo de drogas estimulantes, pois tem de cumprir horário determinado pelo dono da carga, os chamados embarcadores.
Usei para não perder o emprego”
Leônidas Braga, de 52 anos, revelou que uma vez tomou anfetamina para cumprir o prazo de uma carga. Funcionário de uma transportadora e com 30 anos de profissão, Braga confirmou o desconto do frete pelo atraso e até a demissão de motoristas.
– Quando eu tomei rebite já estava tão exausto que parece não ter surtido efeito. Mesmo tomando com café, tive de parar depois de algumas horas para dormir – disse.
Braga já percorreu 1,2 mil quilômetros em 18 horas de viagem. Hoje, ele não aceita trabalhar mais de 10 horas por dia.
“Não aceito horário de entrega pelo amor à vida”
Com apenas quatro anos percorrendo as rodovias brasileiras, o caminhoneiro Cioli Sidnei Custódio, de 40 anos, diz não aceitar ofertas de transporte com horário de entrega.
Ele afirma que nunca tomou anfetaminas e se espelha na experiência negativa de colegas de profissão.
Fonte: Diário Catarinense