Os transportes encerrarão o ano com o pior desempenho de sua história. O Produto Interno Bruto (PIB) do setor deve sofrer uma retração de 7%, segundo estudo exclusivo realizado pela TCP Partners, empresa de gestão e investimentos. Operações aéreas e o transporte de cargas e passageiros despencaram a partir de março, quando a crise sanitária começou a avançar pelo país. Para especialistas, o setor passará por mudanças significativas e terá que se reinventar.
O estudo engloba empresas de cargas, logística e também de transporte de passageiros. Tem como base dados do segmento divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta queda de 8% na atividade até maio.
Levantamento da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística mostra que a demanda por cargas despencou 45% em abril, cinco semanas após o início das medidas de isolamento social, e continuou acima de 40% até maio.
À medida que a economia foi se reabrindo, a queda se reduziu e está atualmente em 24,8%. No caso das companhias aéreas, em maio, o movimento de passageiros despencou 90%.
— O setor de transporte e logística sofrerá os impactos da pandemia por muito tempo. Por ser transversal, é necessário que outros setores da economia se recuperem para que as empresas de transporte se restabeleçam — diz Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partners, lembrando que a safra recorde deste ano é que acabou amenizando uma perda ainda maior para as transportadoras.
Recuperação judicial
Muitas empresas do setor estão recorrendo à recuperação judicial como forma de evitar a falência, observa Jacomassi. O mecanismo suspende temporariamente compromissos com credores até que a empresa se recupere. Aéreas, transportadoras de cargas fracionadas e de transportes terrestres de passageiros são as companhias com maior probabilidade de buscar o caminho da recuperação judicial, diz a TCP.
A Latam Brasil já aderiu ao pedido de recuperação feito pela matriz chilena nos Estados Unidos. A Expresso Pégaso, que já foi uma das maiores empresas de ônibus do Rio, também entrou com pedido de recuperação judicial.
— Temos visto empresas relevantes de transporte rodoviário recorrerem à recuperação judicial. As companhias já vinham com margem baixa de rentabilidade por causa da elevação do preço do diesel, o que culminou com a paralisação dos caminhoneiros em 2018 — diz Luiz Deoclecio, presidente da OnBehalf, consultoria de reorganização de negócios e administradora judicial.
O setor deverá passar por um encolhimento provocado pela crise que só deve terminar em 2021. O estudo da TCP Partners mostra que, das 157.365 empresas de transporte de carga no país, pelo menos 19,2 mil devem fechar as portas até o próximo ano. No transporte de passageiros, o quadro não é diferente: das 29.820 companhias existentes, 4,1 devem desaparecer no período.
O setor movimentou R$ 256,08 bilhões em 2018, ano da greve dos caminhoneiros, um crescimento de 2,2% em relação ao ano anterior, mas ainda 6% abaixo do que movimentava antes da recessão iniciada em 2014. Em 2019, a expansão foi de apenas 0,2%.
Uma pesquisa divulgada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), feita em julho com 858 empresas de cargas e de passageiros de todos os modais, mostra que, após quatro meses de pandemia, as empresas de transporte ainda enfrentam forte queda de demanda e do faturamento.
Com dificuldade de acesso a crédito, muitas estão recorrendo a linhas com os juros mais altos do mercado, como cartão de crédito, para quitar folhas de pagamento, impostos e até mesmo para pagar o diesel.
— Estamos trabalhando com um cenário de ano perdido e, como não há melhora quatro meses depois do início da pandemia, teremos reflexos em 2021. É a maior crise da história do setor — diz Bruno Batista, diretor executivo da CNT.
O futuro da ‘logtech’
Os reflexos da pandemia se refletem em todas as áreas, incluindo os trabalhadores autônomos. O caminhoneiro Juarez Aparecido de Souza, de 57 anos, dono de um caminhão que transportava material de construção em São Paulo, viu a demanda cair mais de 50%.
Há algumas semanas, conseguiu um contrato para entregar uma carga de almofadas do bairro da Penha, zona Leste de São Paulo, até uma grande rede de varejo, distante 38 quilômetros da fábrica. Levou quase quatro dias para fazer a entrega.
— Além da queda de demanda, os agendamentos para descarregar a carga estão mais espaçados para evitar aglomerações. Com isso, o tempo de entrega fica mais extenso — diz Souza.
O professor de operações do Insper, Vinicius Picanço, avalia que o setor terá que se reinventar no pós-pandemia. O segmento ainda usa pouca tecnologia e depende de muita manipulação humana para carregamento e descarregamento, o que foi um problema durante a crise sanitária global.
Em outros países, nas cadeias logísticas, a tecnologia já vem ganhando espaço. Um segmento deve crescer, segundo o professor, o das chamadas “logtechs”.
Picanço lembra que empresas como Amazon e Uber já estão entrando nessa fatia de mercado.
Fonte: O Globo