O recente estudo do Ministério Público do Trabalho (MPT), que afirma ser inconstitucional a reforma trabalhista defendida pelo governo federal, é uma clara demonstração de que não basta mudar a legislação trabalhista. Além de atualizar as normas jurídicas, é preciso rever o modo como habitualmente se interpretam as leis trabalhistas no País. O viés ideológico é tão descarado que o MPT – órgão pertencente ao Ministério Público da União – apresenta, como se estivesse cumprindo suas competências institucionais, um parecer de conteúdo essencialmente político, como se fosse uma entidade de classe.
Segundo os procuradores do MPT, “as alterações (atualmente em debate no Congresso) contrariam a Constituição Federal e as convenções internacionais firmadas pelo Brasil, geram insegurança jurídica, têm impacto negativo na geração de empregos e fragilizam o mercado interno”. Ao final, pedem a rejeição por completo do Projeto de Lei (PL) 6.787/2016, que, entre outras propostas, estabelece a prevalência do negociado sobre o legislado, e do Projeto de Lei do Senado 218/2016, que institui o chamado contrato de trabalho intermitente, com carga horária flexível. Os procuradores também sugerem alterações na redação do PL 30/2015, que trata dos contratos de terceirização e das relações de trabalho daí decorrentes, e do PL 4.302-C/1998, que dispõe, entre outras matérias, sobre contratos temporários de trabalho.
Na opinião do MPT, a Constituição de 1988 impediria que alguma nova lei dê mais liberdade de negociação ao trabalhador do que a atualmente prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Também acha que a proibição da terceirização da chamada atividade-fim deve ser um dogma jurídico, não cabendo ao Congresso Nacional promover alterações nesse âmbito. É uma visão, no mínimo, peculiar, que aprisiona o ordenamento jurídico a uma determinada época, impedindo que o Direito cumpra sua função de regular adequadamente as relações sociais no tempo presente.
A atuação política do MPT não se resume ao estudo contrário às reformas trabalhistas. No mesmo dia em que apresentaram o parecer, procuradores reuniram-se com algumas centrais sindicais, associações e entidades – entre elas a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) – para a assinatura da chamada <CF742>Carta em defesa dos direitos sociais</CF> e a criação do Fórum Interinstitucional de Defesa do Direito do Trabalho e da Previdência Social, com o objetivo de “promover a articulação social em torno das propostas legislativas sobre a reforma trabalhista”.
Segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, “o intuito não é qualquer atuação político-partidária, mas, sim, a atuação da defesa dos direitos sociais e a atuação na defesa dos direitos dos trabalhadores”. Aí está justamente o perigo. Tão impregnada de uma determinada ideologia política, a Justiça do Trabalho parece incapaz de perceber que sua atuação extrapola com folga a esfera jurídica e se aloja num âmbito que deveria estar reservado à política.
Com essa limitação ideológica, os procuradores do Trabalho não conseguem vislumbrar o manifesto desajuste no modo como o Estado regula as relações de trabalho e o entrave daí decorrente ao desenvolvimento econômico e social do País. Trata-se de um equívoco partir do pressuposto de que todo trabalhador é vítima indefesa do capital e, portanto, seus direitos necessitariam de uma forte intervenção do Estado. Tal raciocínio – amplamente difundido na Justiça do Trabalho – não é jurídico. É simples manifestação de uma determinada ideologia, que, por sinal, se ajusta com perfeição aos interesses corporativistas da Justiça do Trabalho, com a intransigente – e muitas vezes irracional – defesa de sua relevância e necessidade.
O País não pode ficar refém desse tipo de mentalidade. Além de não proteger o cidadão, o paternalismo da Justiça do Trabalho implodiu qualquer segurança jurídica e estimulou a indústria de reclamações trabalhistas. É mais que hora de rever as leis e o modo como elas são interpretadas.
*Texto editorial do Estadão – edição do dia 28 de janeiro de 2017