BR-101 Norte: Risco dobrado

Camboriú, 22.5.07 – Às 11h30min de sexta-feira, a dona de casa Rosana da Silva, 40 anos, ajudava a filha a atravessar a BR-101 em Camboriú, no Km 129. A cena e o risco são cotidianos: a criança precisa pegar o ônibus para a escola do outro lado da rodovia todos os dias.
A mãe está tão acostumada com a situação que volta apressada para casa, onde deixou o almoço no fogo.
Em poucos minutos, a cena se repete, com outras mães, pais e filhos cruzando as pistas em meio a carros em alta velocidade e caminhões pesados. Onde não há vãos, as pessoas passam por cima da mureta que divide as pistas da BR-101 sem grande dificuldade.
O Diário Catarinense percorreu os 216 quilômetros do trecho duplicado da rodovia, entre Palhoça e Garuva, na divisa com o Paraná, para conferir esta rotina arriscada. São famílias que têm as vidas divididas pela estrada: moram de um lado e estudam ou trabalham do outro. As 41 travessias de pedestres existentes não satisfazem a todos.
Histórias de acidentes e mortes já não impressionam essas pessoas que vivem, literalmente, à margem.
Serly Maximiano de Sousa, 33 anos, lembra-se rapidamente de três conhecidos que morreram atropelados ao fazer a travessia da BR-101. Mesmo assim, cruza as pistas com a filha, Ana Carolina, sete, duas ou três vezes por semana.
Moradoras do Bairro Canhanduba, em Camboriú, não têm outra opção para chegar ao outro lado da rodovia a não ser passar por ela a pé. Não há passarela, viaduto ou passagem inferior por perto.
Os amigos do auxiliar de motorista Pascoal da Silva Teixeira, 41 anos, fazem até piada do risco dizendo: “Não quero ver velório hoje, hein?”. O trabalhador, cuja função é mais conhecida como chapa, mora em Palhoça e atravessa a BR-101 várias vezes no mesmo dia.
– Ajudo o pessoal a atravessar, principalmente os mais velhos e crianças. Uma senhora caiu uma vez e já vi vários atropelamentos por aqui – diz, referindo-se ao trevo de Santo Amaro da Imperatriz, no Km 216, início do trecho duplicado da rodovia.

Criminalidade é um risco extra às margens da 101

A passarela mais próxima do ponto onde Pascoal trabalha fica a dois quilômetros de distância. Os cinco minutos de travessia pela BR-101 compensam o risco de morrer, na avaliação do chapa.
Enquanto esperam por trabalho, os colegas de Pascoal lembram histórias de acidentes recorrentes e corpos dilacerados na pista.
Não bastasse o tráfego de veículos a mais de 100 km/h, a criminalidade também é risco para quem vive às margens da rodovia.
O operador de empilhadeira Luiz Carlos do Nascimento, 45 anos, atravessa as oito pistas da BR-101 duas vezes por dia, de manhã e à noite, em Palhoça, onde as margens também são duplicadas. Há uma passagem inferior a 800 metros de onde ele pega o ônibus, mas na escuridão, Luiz prefere arriscar ser atropelado.
– Não é aconselhável passar por ali à noite – afirma.

Comodidade em vez de segurança

Imponentes prédios residenciais, casas, lojas, empresas e indústrias compõem a paisagem às margens da BR-101 em Itapema, no Litoral Centro-Norte. O cenário justifica o trânsito constante de pessoas na recém-inaugurada passarela do Km 151, entre elas o aposentado Urias Antônio da Silva, 65 anos.
Morador do Bairro Morretes, Urias percorre os 345 metros da passarela todos os dias. Necessidades prosaicas, como pagar contas ou fazer compras, só podem ser resolvidas no centro da cidade.
Antes da passarela ser inaugurada, no final do ano passado, o aposentado fazia a travessia utilizado um vão da mureta no meio da pista.
Mais seguro agora, o aposentado reclama da falta de educação de motoqueiros que insistem em usar a passarela. Outro problema é a falta de iluminação, que favorece a ação de criminosos e consumidores de drogas durante à noite.
Enquanto Urias fazia a passagem, três pedestres e ciclistas ignoraram a passarela e se arriscaram na pista.
A prática foi flagrada em diversos pontos onde há a opção de travessia segura. A razão é o tempo de percurso: se a passarela exige 10 minutos de caminhada, incluindo o esforço para a subida, na pista o trajeto não chega a dois minutos.
Dono de uma borracharia no Km 171, em Tijucas, Vanderlei Haskel é testemunha da imprudência. Há uma passarela bem em frente ao seu estabelecimento, mas é pouco usada.
– Só as crianças passam por aqui, o resto atravessa pela pista mesmo. Aqui já morreu gente pra caramba, as pessoas são muito mal-educadas.

Dnit pretende construir mais 13 travessias

Mediante liberação orçamentária por parte do Ministério de Planejamento, o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) pretende iniciar a construção de mais 13 travessias de pedestres no trecho Norte da BR-101. Apenas Biguaçu, na Grande Florianópolis, tem quatro passarelas em análise.

Balneário Camboriú, por sua vez, deverá ganhar outras duas, entre os bairros São Judas Tadeu e Nova Esperança.

Os fatores de relevância para as novas construções, de acordo com o Dnit, foram a velocidade de operação da via (100km/h) e a extensão da pista, aliada à urbanização intensa do entorno da rodovia.

No documento de contratação de projetos executivos de passarelas e pedestres do departamento, Joinville, Barra Velha, Itajaí, Camboriú, Balneário Camboriú, Itapema, Biguaçu e São José destacam-se como pontos críticos.

De acordo com a assessoria de imprensa do Dnit em Santa Catarina, o departamento reconhece que faltam travessias para pedestres no trecho Norte da BR-101, que teve as obras de duplicação concluídas há sete anos. Atualmente, existem 41 pontos de travessia ali, entre viadutos, passarelas e passagens subterrâneas.

Obras previstas no projeto não foram feitas

O projeto de duplicação foi desenvolvido em 1986 e adaptado para a execução, que começou 10 anos depois.

Naquela época, ele levou em conta a informação de que haveria pedágios na BR-101, e a empresa que ficasse com a concessão daria andamento a uma série de investimentos.

Eles incluem o monitoramento do Morro do Boi, em Balneário Camboriú e a construção do contorno da duplicação numa faixa de 47 quilômetros entre o município de Tijucas e o posto de fiscalização da Polícia Rodoviária Federal em Palhoça, com o intuito de diminuir em até 50% o tráfego pesado da via, além das construções de travessias de pedestres.

Para evitar os mesmos problemas com o trecho Sul, em obras, o Dnit elabora o Plano Diretor juntamente com os municípios que são cortados pela rodovia, a fim de evitar que as cidades cresçam em direção às margens da BR-101.
Em julho deste ano, está prevista a publicação do edital, por parte do Ministério dos Transportes, para a instação de praças de pedágio ao longo do trecho Norte da rodovia e da BR-116.

Pista dupla registra 22 mortes de pedestres
ARIADNE NIERO

Do início do ano até a última quinta-feira, 30 pedestres morreram atropelados ao tentarem atravessar a BR-101 em Santa Catarina. De acordo com as estatísticas da Polícia Rodoviária Federal (PRF), 22 dessas mortses ocorreram no trecho duplicado da rodovia, entre Palhoça, na Grande Florianópolis, e Garuva, na divisa com o Paraná.

A lém da falta de passarelas e passagens subterrâneas, os policias destacam que os próprios pedestres não têm paciência para esperar o momento mais seguro de atravessar a pista.

A constatação da PRF confirma a pesquisa realizada há cinco anos pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit). Naquele época, ficou constatado que 60% das mortes de pedestres aconteciam a menos de 200 metros de uma travessia.

– Esta situação é verificada todos os dias pelos policiais em ronda. Os pedestres não utilizam as passarelas – diz o policial rodoviário federal Adriano Fiamoncini.

Mesmo assim, a polícia reconhece que faltam travessias de segurança para os pedestres. Tanto que a PRF já levantou os pontos mais críticos em relação ao número de registros de atropelamentos nos 216 quilômetros do trecho Norte da BR-101.
Para a PRF, existe carência de passarelas, principalmente, no acessos a Balneário Camboriú, Navegantes, Barra Velha e Joinville.
Em relação as oito mortes registradas desde o início do ano no trecho não-duplicado da rodovia, Fiamoncini explica que no Sul do Estado, os pedestres atravessam apenas por duas pistas.
No trecho Norte, eles precisam enfrentar até oito pistas em pontos nos quais as marginais também são duplicadas, como na Grande Florianópolis, por exemplo.
– Devemos levar em conta que o movimento de veículos também é maior no Norte – afirma o policial.

Compartilhe este post