São paulo, 19.7.06 – Sejamos realistas. O que mudou no setor de infra-estrutura de transportes do Brasil, depois da criação da Contribuição de Intervenção no DomÃnio Econômico (Cide)? A resposta não é nada animadora, como mostra a realidade nua e crua dos números. A expectativa positiva, que se criou em torno dos recursos da Cide, deu lugar a uma enorme decepção.
Para quem não sabe, Cide é um imposto instituÃdo pela Lei Federal nº 10.336, de dezembro/2001, com o objetivo de unificar a tributação sobre os combustÃveis e financiar programas de infra-estrutura de transportes (rodovias e transporte público de passageiros) e projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás.
Apesar dos seus quatro anos e meio de existência, a Cide é conhecida por poucos, mas muitas pessoas pagam esse imposto. Cada vez que abastecemos nossos carros, estamos contribuindo para a Cide. Só para ter uma idéia, se o veÃculo for movido a gasolina, pagamos R$ 0,28 por litro. Ao encher o tanque com 40 litros, injetamos um total de R$ 11,20 nesse imposto. Entre 2002 e 2004, a soma de todas as contribuições para a Cide resultou em cerca de R$ 22 bilhões aos cofres da União.
No entanto, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que, apesar dos recursos do novo imposto, em 2003 e 2004 o governo federal investiu menos em transportes do que nos anos em que a Cide não existia.
Vamos aos detalhes. Em 2001, o Ministério dos Transportes teve dotação de R$ 8 bilhões e executou R$ 6,4 bilhões. Vejam como ficou esse quadro: em 2003 teve dotação de R$ 11,5 bilhões, investindo apenas R$ 4,5 bilhões; e, em 2004, um orçamento de R$ 10,8 bilhões, dos quais foram executados R$ 5,6 bilhões.
E onde foi parar o dinheiro da Cide? A resposta para essa questão também foi apontada pela auditoria do TCU: uma parcela de 41% dos R$ 22 bilhões arrecadados, entre 2002 e 2004, foi desviada com a finalidade de gerar superávit primário.
Na tentativa de pôr fim ao desvio desses recursos, o TCU aprovou acórdão determinando à Secretaria de Orçamento Federal que não use dinheiro da Cide para reserva de contingência e orientando o Ministério dos Transportes a formular polÃtica setorial que contemple a aplicação desse recurso em projetos de infra-estrutura de transportes e meio ambiente.
Mesmo assim, outros tipos de desvios foram detectados. Levantamento do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) constatou que o governo federal destinou recursos da Cide para despesas de custeio e pessoal. O trabalho acusou, por exemplo, o uso desse imposto para pagamento de assinatura de TV a cabo, serviços de segurança e planos de saúde de servidores públicos.
Enquanto isso, 54,6% das rodovias brasileiras têm problemas na pavimentação: o asfalto é deficiente em 30% delas; 17% são classificadas como ruins e 7,5%, péssimas, conforme pesquisa feita em 2005 pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT).
A exceção desse contexto é o Estado paulista, que, graças ao programa de concessão, se tornou uma ilha de excelentes estradas. Prova disso está em constatação do estudo da CNT que aponta nove rodovias paulistas entre as dez melhores do PaÃs. No âmbito federal, o tão propagado programa, conhecido como “Operação Tapa-Buraco”, como o próprio nome diz, não passa de um mero paliativo com finalidade eleitoreira.
No setor de transporte público de passageiros, em especial nas grandes metrópoles brasileiras, são enormes as dificuldades para a obtenção de recursos financeiros suficientes para executar as obras necessárias de forma a suprir a demanda de usuários e, conseqüentemente, reduzir o volume de carros nas ruas, melhorando a qualidade de vida.
Neste contexto, os recursos da Cide têm uma importante função, pois podem garantir o investimento ininterrupto no transporte sobre trilhos e nos corredores de ônibus metropolitanos.
Aliás, quando a Cide nasceu, um de seus principais propósitos era de ser uma fonte permanente de recursos para a recuperação das rodovias, implantação de melhorias no transporte público e de ações relativas ao meio ambiente. Infelizmente, até agora, fomos todos ludibriados.
*Jurandir Fernandes, secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, vice-presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos, é presidente da divisão latino-americana da União Internacional de Transportes Públicos.
Fonte: O Estado de São Paulo