É preciso andar nos trilhos em SC

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É preciso andar nos trilhos em SC

Lages, 26.2.07 – Uma expressão bastante conhecida passa de um simples dito popular para uma realidade quando se trafega por uma das principais rodovias do Brasil. No trecho catarinense da BR-116, é preciso andar nos trilhos.
A reportagem do Diário Catarinense percorreu de carro os 310 quilômetros entre as divisas com o Paraná e com o Rio Grande do Sul. Durante a viagem, flagrou várias irregularidades, como os sulcos – verdadeiros trilhos – deixados por caminhões pesados, buracos mal fechados, acostamentos desnivelados em relação à pista, falta de fiscalização, sinalização precária e – algo, infelizmente, comum – as imprudências dos motoristas.

Também foi possível constatar problemas como animais – muitos de grande porte – às margens e sobre a rodovia, a concentração de pedestres nos perímetros urbanos e muita terra nas entradas e saídas de caminhões que, geralmente, carregam madeira, representando risco iminente de acidentes.

Inaugurada em 1960 para fazer a ligação entre o Nordeste e o Sul do Brasil, mais precisamente de Fortaleza (CE), onde começa, a Jaguarão (RS), na fronteira com o Uruguai, em um total de aproximadamente 4,6 mil quilômetros, a BR-116 recebe um grande número de caminhões, que transportam de tudo para todos os cantos do país. Muitos desses rodam com excesso de peso.

Apenas três postos da PRF cuidam de toda a rodovia

O trecho catarinense é considerado por muitos motoristas um dos piores da 116. Em seus 310 quilômetros, passa por 11 municípios e é fiscalizado por três postos da Polícia Rodoviária Federal (PRF). No km 42, em Itaiópolis, há outro posto, porém, está desativado há cerca de quatro anos por falta de profissionais. Também há duas balanças, mas ambas, que começaram a ser construídas no início da década de 80, nunca chegaram a funcionar.

Fiscalização é feita só no “olhômetro”

Como não há balança em funcionamento na BR-116 – existem apenas três em Santa Catarina e todas ficam na BR-101 -, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) não consegue fiscalizar o excesso de peso nos caminhões.
O inspetor Luiz Graziano explica que, somente quando os policiais deparam-se com alguma carga cujo peso esteja visivelmente acima do limite permitido, o caminhão é parado.
É feita uma verificação ocular, conferida a nota fiscal e, se necessário, o veículo é levado a alguma balança particular.
– É um transtorno muito grande, pois, além de termos que levar o caminhão até alguma empresa, precisamos pedir a balança emprestada, e ainda assim, desde que ela esteja aferida pelo Inmetro.
Segundo Graziano, o ideal seria ter um equipamento próprio, em que fosse possível parar todos os caminhões, multar os que estivessem com excesso de peso e tirar o transbordo na hora.

Trecho marcado por tragédias receberá benção

O comerciante Maurice Vasselai, 42 anos, mora à margem do km 218 da BR-116, em Correia Pinto, na Serra Catarinense. O trecho é considerado um dos mais perigosos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Na manhã da última terça-feira, quatro pessoas da mesma família morreram no local.
– Sou membro da Igreja Católica e, na missa de quarta-feira, foi sugerido que o padre dê uma bênção sobre este trecho, para ver se acaba de vez com todas estas mortes.
E é exatamente isso que pretende fazer o pároco Dorli Gonzaga Ribeiro, de Correia Pinto.
– Penso em uma cerimônia às margens da BR, perto de onde aconteceu o acidente de terça-feira, com a segurança da Polícia Rodoviária – antecipa o religioso.
Em 15 anos, Vasselai presenciou inúmeros acidentes e mortes, no trecho de apenas dois quilômetros (do 217, na ponte sobre o Rio Canoas/Klabin, ao 219, no trevo norte de Correia Pinto).
O que mais lhe marcou ocorreu há cerca de oito anos, com o envolvimento de um casal e uma criança. Vasselai foi um dos primeiros a chegar ao local. A mulher, com o impacto da colisão, havia sido jogada para fora do veículo e estava muito ferida. O homem, também bastante machucado, desesperou-se ao ver o estado da esposa.
Ela foi levada ao hospital na carroceria de uma Toyota, já que, na época, não havia Corpo de Bombeiros em Correia Pinto, mas morreu logo em seguida. A criança já estava morta.
Outra tragédia que ficará para sempre na memória do comerciante ocorreu há cerca de seis anos, quando seis pessoas, passageiras de uma ambulância, perderam a vida em uma colisão.
– Aqui é mais afastado da cidade, o barulho é menor e, à noite, principalmente, dá para ouvir freadas e aceleradas, relata Maurice, lamentando que a presença da PRF no trecho não basta para evitar mortes.

“A BR-116 é grande e cheia de surpresas”

Duas vezes por semana, Manoel Osório Cardoso, 46 anos, e Milton Tomazzoni, 45, transportam ônibus novos sobre caminhões, de Caxias do Sul (RS) até São Paulo (SP).
Somadas ida e volta, são cerca de 2 mil quilômetros em cada viagem. A cada sete dias, ambos percorrem quatro mil quilômetros pela BR-116.
Manoel percorre o trecho desde 1979. Durante todos estes 28 anos, perdeu a conta de quantos acidentes graves presenciou. Muitos causados pela imprudência dos envolvidos. Mas tantos outros pelos problemas de estrutura da rodovia.
– Se perdi a conta de quantos acidentes, imagine quantos veículos já vi estragados por aí. A 116 é grande e cheia de surpresas.
Milton viaja pela BR há 20 anos. Para ele, o pior trecho de Caxias do Sul a São Paulo é o que fica entre Santa Cecília e Mafra. Sempre com bastante peso no caminhão – mas nunca com excesso, garante – não consegue viajar três vezes consecutivas sem ser obrigado a fazer alguma manutenção no caminhão.
– Não tem jeito. Duas viagens bastam para dar problemas no caminhão. Algumas peças afrouxam, outras precisam ser trocadas, soldadas. Além disso, o cansaço físico é muito grande, pois, a cada buraco ou desnível na pista, o veículo balança e eu balanço junto.

Fonte: Diário Catarinense

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