Florianópolis, 30.1.06 – Uma guerra silenciosa está sendo travada no centro do poder em Santa Catarina. Envolve as maiores empresas públicas do Estado e grandes empresas privadas. No meio da discussão está a Secretaria de Infra-Estrutura e a nova lei que permite ao governo do Estado cobrar taxas para a ocupação das faixas de domÃnio, aqueles 15 metros de terra à s margens das rodovias.
A lei foi aprovada na Assembléia Legislativa em 4 de outubro do ano passado, sem muito alarde. Na época, o secretário de Infra-Estrutura (que também é deputado), Mauro Mariani, retornou ao Parlamento. Depois de forte lobby junto aos seus pares, viu aprovada a proposta que permitirá engordar os cofres da sua secretaria em mais de R$ 40 milhões por ano.
A intenção do governo é cobrar das empresas, sejam públicas ou privadas, a ocupação das faixas de domÃnio para fazer caixa. Os recursos serão usados para manutenção de rodovias. Até o momento, não há cronograma apontando quais são as rodovias que vão receber os investimentos.
A direção da Infra-Estrutura também quer usar o dinheiro para pagar salários e já mandou à Assembléia projeto pedindo permissão. Nas contas de Mariani, o dinheiro começa a tilintar nos cofres públicos em março.
Arrecadação de aumentar após levantamento
A exemplo do recém-criado Fundo Social, outro instrumento arrecadador instituÃdo pelo governador Luiz Henrique, as taxas sobre as faixas de domÃnio podem render graúdos dividendos aos cofres públicos.
Se a expectativa é arrecadar R$ 40 milhões este ano, a partir do momento em que o levantamento oficial da ocupação for concluÃdo, esse valor tende a duplicar.
A lei atinge com maior ênfase as empresas de energia elétrica (Celesc e cooperativas), Eletrosul, empresas de telecomunicações (Brasil Telecom, Embratel, Intelig, GVT e outras), empresas de abastecimento de água e esgoto (Casan e municipalizadas), empresas de combustÃveis (SC Gás, Gaspetro) e empresas de transportes. Só a Celesc deve desembolsar mais de R$ 35 milhões.
?A Celesc tem mais de 7 mil quilômetros de redes aéreas e subterrâneas nas faixas de domÃnio. Se formos cobrar o valor cheio passa de R$ 45 milhões?, contabiliza Mariani.
Na esteira estão empresas menores como postos de combustÃveis, empresas que operam publicidade (outdoors, painéis eletrônicos), que usam cabos óticos, estacionamentos, tevês a cabo e estações de rádio para telefonia celular. Em levantamento preliminar, chegam a 130.
Nos bastidores, as negociações entre a Secretaria de Infra-Estrutura e as empresas atingidas estão bastante intensas. As empresas reclamam dos valores altos e a equipe administrativa tenta negociar da melhor maneira possÃvel. Até decidiu que a taxa, que é anual, poderá ser paga trimestralmente.
Em ano eleitoral, a intenção do governo é tentar evitar, a qualquer custo, quaisquer questionamentos judiciais que possam prolongar as discussões durante meses.
Ocupação irregular é histórica
Nos 6,6 mil quilômetros de rodovias estaduais catarinenses, pavimentadas ou não, é possÃvel ver de tudo: há postes fincados quase no meio da via, casas construÃdas em cima do acostamento, estacionamentos que ocupam toda a faixa de domÃnio e plantações dividindo espaço com o asfalto.
Essa situação não tem controle. Simplesmente os cidadãos, empresas públicas e privadas foram achegando-se para as margens do asfalto e se estabeleceram com base em autorizações duvidosas, distribuÃdas ao longo das últimas décadas.
A ocupação das faixas de domÃnio nas rodovias põe em risco a segurança dos usuários. Com a nova legislação, a expectativa é que essas irregularidades consigam ser amenizadas e a fiscalização seja mais efetiva. No centro da polêmica, o secretário de Infra-Estrutura, Mauro Mariani, justifica a adoção da taxa:
– Santa Catarina não possui pedágios ou pardais. E vejam vocês: o Estado adquire o terreno, desapropria, constrói a rodovia, os outros usam as margens, ganham dinheiro com isso e o Estado não é indenizado? Nada mais justo do que reembolsar o poder público – argumenta.
Choradeira maior entre os que auferem lucros
O diretor do Departamento Estadual de Infra-Estrutura (Deinfra), Romualdo França, afirma que essa choradeira que se estabeleceu contra a nova lei – que ele classifica como “desconforto” – é ainda maior por parte das empresas que obtêm resultados com o uso das margens.
Para reforçar a tese de que a cobrança é legal e trará benefÃcios aos cidadãos, Mariani enumera os estados que já possuem tal medida: Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Ceará e Rio Grande do Sul.
Na sua avaliação, não há como sustentar que as tarifas públicas (como a energia elétrica) sofrerão reajustes (que se tornou a principal alegação das empresas atingidas) por conta da nova taxa, pois a Celesc já cobra dividendos das empresas que usam seus postes, como as empresas de telecomunicações.
– Não vai aumentar a tarifa, não. É só pegar o dinheiro que cobram das outras empresas e repassá-lo para nós.
O Orçamento da Secretaria de Infra-Estrutura para 2006 é de R$ 320 milhões. Mariani e Romualdo França asseguram que este valor não é suficiente e que o ideal seria criar um fundo especÃfico para as rodovias, idéia que pretendem pôr em prática nos próximos tempos.
Empresas preparam uma ofensiva judicial
As maiores empresas e estatais atingidas pela Lei 13.516 fizeram voto de silêncio. Nas internas, preparam ofensivas judiciais contra a cobrança da ocupação das margens rodoviárias.
A única dúvida entre as empresas privadas é quem entrará primeiro com representação judicial. Há grande temor de represália polÃtica. Entre si, as empresas públicas e privadas discutem muito sobre a nova cobrança e há quem considere que o governo faz uma “desesperada busca de caixa” para o ano eleitoral.
Há, inclusive, um parecer jurÃdico produzido pela advogada e professora da Universidade de São Paulo, Maria Sylvia Zanella di Pietro, a pedido da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) que circula de mão em mão. O parecer deverá embasar futuros posicionamentos.
Em 23 páginas, a professora enumera dezenas de razões pela contrariedade da taxa. Alerta que há um desvirtuamento da concessão de serviços públicos, decorrentes da cobiça do poder público em ampliar suas receitas.
“Cabe aos próprios usuários e aos órgãos de defesa do consumidor impugnar perante os órgãos de controle, inclusive o Poder Judiciário, esse tipo de cobiça, que constitui apenas uma a mais ao lado de tantas outras medidas utilizadas pelo poder público para tentar fugir à crise financeira que vem empobrecendo os cofres públicos”, escreveu.
Celesc leva discussão para o Conselho de Administração
Pelo grau de polêmica, a direção da Celesc informou que está levando o assunto para discussão no Conselho de Administração. Nesse momento, a estatal que mais ocupa as faixas de domÃnio e terá que desembolsar mais de R$ 35 milhões afirma não ter posicionamento oficial sobre o caso. A Brasil Telecom, que nas contas do Deinfra possui 3 mil quilômetros de redes espalhadas pelas faixas de domÃnio (o valor devido ao Estado passaria de R$ 15 milhões), também prefere não se manifestar a respeito. A Casan e a SC Gás, cuja quilometragem ainda precisa ser levantada, foram intensivamente procuradas pela reportagem. Também se calaram.
O vice-governador Eduardo Pinho Moreira (PMDB), que deve assumir o comando do Estado em abril, assegurou, na sexta-feira à tarde, que no caso da Celesc, depende das decisões da Aneel. Moreira disse ter conhecimento do parecer da Abradee e que a instituição estaria “ameaçando” entrar na Justiça.
Movimento determina a taxa
O valor da taxa para o uso das margens rodoviárias varia conforme o tipo de ocupação, a movimentação de veÃculos na rodovia e, no caso de cabos subterrâneos ou aéreos, pela quantidade de quilômetros.
As estatais e empresas públicas pagarão pelo uso das margens longitudinais e pelas travessias no asfalto. O valor para cabos (subterrâneos ou aéreos) é de R$ 5,1 mil a cada quilômetro.
Os acessos para loteamentos e condomÃnios será pago por unidade (R$ 2,1 mil anuais para terrenos com testada entre 20 metros e 50 metros e R$ 5,3 mil para maiores).
No caso de outdoors e painéis eletrônicos, a taxa também será cobrada por metro quadrado e pela variação da movimentação da rodovia. Há diversas faixas de preço. O menor é R$ 42 o metro quadrado e o maior, R$ 319 o metro quadrado.
Nem todos que estão à s margens das rodovias terão que pôr a mão no bolso. Estão isentos os pequenos acessos a chácaras, sÃtios e fazendas, publicidade de utilidade pública, abrigos para passageiros de ônibus, quiosques e bancas, entre outros.
Faixas de domÃnio
O que diz a lei
A Lei 13.516, aprovada na Assembléia em 4 de outubro do ano passado, autoriza o governo do Estado, por meio do Deinfra, a administrar e cobrar taxas pelo uso e pela acessibilidade das margens rodoviárias estaduais
Por que cobrar taxas
Para possibilitar ao Deinfra ter uma receita própria e disciplinar critérios para o uso correto das margens rodoviárias
Valores
A estimativa são R$ 40 milhões este ano e mais de R$ 60 milhões nos próximos anos
A aplicação
Esses recursos devem ser investidos na manutenção da malha rodoviária e para pagar salário aos funcionários do Deinfra (essa ainda precisa de autorização da Assembléia)
Os preços
Os valores das taxas variam conforme o tipo de ocupação. As áreas de estacionamento e os engenhos publicitários pagam por metro quadrado, conforme a movimentação da rodovia. Por exemplo: um painel eletrônico terá taxa anual de R$ 191 o metro quadrado em rodovia com até 1 mil veÃculos por dia e R$ 319 o metro quadrado em vias com mais de 5 mil veÃculos por dia. A ocupação feita por redes e cabeamentos ao longo das margens será cobrada por quilômetro. Este é o caso da Celesc, Casan, gasoduto, empresas de telefonia e outras. O valor é R$ 5,1 mil anuais por quilômetro
Isenção
Estão isentos pequenos acessos a chácaras, sÃtios e fazendas; veÃculos ou publicidade de utilidade pública; paradas e abrigos de ônibus; equipamentos para comercializar produtos da agricultura familiar, de populações indÃgenas ou artesãos e pequenos comércios como bancas e quiosques
Atingidos
O maior volume de arrecadação será das empresas de energia elétrica (Celesc e cooperativas), empresas de água e esgoto (Casan e municipalizadas), telecomunicações (Brasil Telecom, Intelig, GVT, Embratel e outras), combustÃveis (empresas de gás e oleoduto), empresas de transportes e Eletrosul. Ao todo serão cerca de 130 empresas. Ainda não há levantamento oficial de todas as ocupações
Fonte: Secretário de Infra-Estrutura, Mauro Mariani; diretor do Deinfra, Romualdo França; e assessoria de imprensa.
Fonte: Diário Catarinense