Florianópolis, 11.2.08 – Naturalmente estressante, dirigir em locais de grande movimento pode causar ainda mais incômodo se o motorista respeitar todas as leis de trânsito. Andar dentro do limite de velocidade é garantia de reclamação de pessoas que estão em outros veÃculos. A comprovação foi feita por equipe do Diário Catarinense em uma viagem em um dos trechos mais movimentados da BR-101, do Centro de Florianópolis até Balneário Camboriú, a 87 quilômetros da Capital.
As formas variam, mas as ofensas são certas. Os protestos se materializam em diferentes nÃveis de hostilidade. Vão de comedidos sinais de luz até fechadas bruscas. Atitudes na contramão da segurança porque o excesso de velocidade é a segunda principal causa de acidentes de acordo com a PolÃcia Rodoviária Federal (PRF).
A saÃda de Florianópolis, à s 10h, não gera protesto por parte dos outros motoristas. O espÃrito de quem dirige na Via Expressa, que faz parte da BR-282, é diferente de uma rodovia. Os motoristas encaram a estrada como uma avenida que liga a Capital a São José. O tráfego intenso também ajuda porque dificulta a aceleração.
Mesmo assim o trânsito não é tranqüilo. Motociclistas passando pelo meio dos carros, motoristas colados na traseira, carros entrando de ruas marginais e pista estreita exigem atenção.
Xingamentos são de todas as espécies e volumes
Se o motorista chegar à BR-101 e quiser respeitar o limite de velocidade deve pegar a pista da direita. Vai perceber que ninguém fica atrás. A diferença é que enquanto alguns dão sinal, outros passam sem avisar. Em São José, há carros bem lentos. É gente que usa a rodovia como mais uma rua da cidade. Por isso mesmo, dirigindo de acordo com a sinalização é possÃvel ultrapassar.
Mas, para muitos motoristas, andar na pista da esquerda a 100 km/h por alguns metros já justifica reclamações. Ao olhar no retrovisor, é possÃvel perceber um carro colado no pára-choques dando sinais de luz. Se o carro não sair da frente, logo é ultrapassado pela direita. Quando os veÃculos ficam emparelhados, o motorista recebe um olhar contrariado ou zangado, dependendo do humor de quem está do outro carro.
Existe quem prefira maneiras mais agressivas de mostrar irritação. Somente na viagem de ida, seis pessoas fizeram sinais com a mão, quatro buzinaram e dois se deram ao trabalho de abrir o vidro e vociferar xingamentos. Um caminhoneiro precisou embalar o veÃculo e terminou a manobra com uma fechada brusca. Em todo o percurso, só caminhões com tacógrafos ou monitorados por satélite respeitavam o limite de velocidade.
Se dirigir conforme as regras irrita os outros, conviver com várias infrações causa incômodo ao motorista que respeita as lei.
Motociclistas escapam das manobras de caminhoneiros
Mesmo as mulheres, que têm a reputação de serem mais cuidadosas, inclusive por companhias seguradoras que cobram menos delas, cometem deslizes. Pelos menos cinco fizeram ultrapassagens pela direita com velocidade acima da permitida antes de Itapema.
No trecho da BR-101 da cidade, até os mais afoitos tiveram de parar. Um acidente no km 146, parou o trânsito. A batida entre dois caminhões e um carro havia ocorrido há três horas, mas motoristas curiosos freavam para ver os veÃculos e criaram um fila quilométrica.
Andando a menos de 25 km/h, a motorista de um Peugeot com placas de Florianópolis aproveitou para mandar mensagens pelo celular. Com os olhos no telefone, freou a centÃmetros do carro da frente várias vezes. Ela era umas das cinco mulheres que antes foram flagradas ultrapassando carros pela direita.
Também houve imprudência na fila. Pelo menos 18 automóveis e duas motocicletas escolheram o acostamento para ganhar tempo. Irritados por ver pessoas desrespeitando as leis para tirar vantagem, muitos motoristas, a maioria caminhoneiros, posicionaram metade do veÃculo sobre o acostamento para evitar a manobras dos espertinhos. Mas a manobra não funcionou com os motociclistas. Eles mudaram o trajeto para passar entre os veÃculos que se arrastavam na rodovia em meio ao congestionamento.
O restante do percurso até Balneário Camboriú pode-se dizer que foi tranqüilo, afinal houve só mais um xingamento.
Entrevista: Jacinto Pereira, psicólogo do detran
“O carro dá poder ao sujeito”
Depois de 21 anos de atuação no Detran de Santa Catarina, o especialista em psicologia do trânsito, Jacinto Antônio Pereira, de 50 anos, acredita que muitas pessoas acham natural se arriscar em rodovias e estradas. Para ele, intensificar a fiscalização, investir em educação infantil e aplicar a punição em quem infringe as leis é a única receita para diminuir os números violentos do trânsito.
Diário Catarinense – Qual incentivo um motorista que respeita a lei tem para continuar a seguir as regras de trânsito?
Jacinto Pereira – Quem respeita deve ter em mente o conceito de direção defensiva, de aceitar o erro do outro e da omissão do poder público e ainda precisa ter condições emocionais para administrar situações adversas e conseguir evitar acidentes.
DC – Quando ocorre o desvio na formação para o trânsito e a criança se transforma em motorista imprudente?
Pereira – A fórmula para o erro é a falta de educação no começo da vida e ausência de fiscalização na fase adulta. As crianças precisam crescer com bons exemplos e não vendo os pais furarem sinal ou abusarem do álcool e pegarem o volante. Depois de crescer, a forma mais eficiente de reeducar são as multas.
DC – Por que as pessoas adotam ao volante comportamentos que em outra situação não teriam coragem ou disposição para tomar?
Pereira – O carro investe o sujeito de poder. As pessoas crescem dentro de um carro ou em cima de uma moto e se sentem anônimos e protegidas. Dirigir pode despertar um sentimento de egoÃsmo de resolver somente necessidades individuais. As necessidades dos outros são ignoradas.
Fonte: Diário Catarinense