São Paulo, 23.5.08 – O roubo de carga de remédios é hoje o principal ator do mercado ilegal de medicamentos no paÃs, superando as falsificações. A revelação consta em um relatório recém-concluÃdo pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) preparado a pedido do Max Planck Institute, um órgão do governo alemão que estuda o tema em vários paÃses.
Em 2007, o Estado de São Paulo registrou 531 cargas roubadas de medicamentos -número 20% superior ao registrado em 2006- e um prejuÃzo de R$ 18,5 milhões, segundo o Sindicato de Empresas de Transporte de Cargas (Setcesp).
No primeiro trimestre deste ano, foram roubadas 130 cargas de produtos farmacêuticos no território paulista -é o quarto tipo de carga mais visada. No paÃs, não há informações confiáveis a respeito. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) só registra os casos informados pelas empresas farmacêuticas. Em 2007, por exemplo, foram 133 registros.
Os roubos atingem todos os tipos de remédios: desde o antigo analgésico Cibalena A (Novartis), cuja embalagem com quatro comprimidos custa em torno de R$ 1,00, até drogas recém-aprovadas no Brasil, como o Acomplia (rimonabanto), fabricado pela Sanofi-Aventis, comercializada a um preço médio de R$ 200.
Um dos problemas do remédio roubado é o risco que ele representa à saúde do consumidor. Ao entrar no mercado informal, ele perde a segurança quanto à s condições de armazenamento, segundo Dirceu Raposo de Mello, diretor-presidente da Anvisa. “Ele pode tanto causar dano pela mudança da sua estrutura molecular como se tornar ineficaz. Um antibiótico, por exemplo, não vai combater a infecção”, diz.
O assessor de segurança do Setcesp, Paulo Roberto de Souza, explica que as cargas de medicamentos obedecem a determinações especÃficas. “Há remédios que devem ser mantidos entre 15 C e 30 C. Esse pessoal deixa a carga no sol, em qualquer lugar.”
Segundo o relatório da FGV, que contou com entrevistas com delegados e promotores, há ao menos 50 grupos especializados em roubo de carga de medicamentos agindo no paÃs. Em geral, diz o texto, eles têm informações que saem de dentro das próprias companhias farmacêuticas sobre a data da saÃda, o conteúdo e o destino das cargas de remédios.
A maioria dos roubos ocorre durante o trajeto da carga, nas rodovias ou no perÃmetro urbano das grandes cidades. Em São Paulo, por exemplo, metade do roubo de cargas ocorrido em 2007 foi dentro da cidade.
Isso está levando as empresas a investirem cada vez mais na segurança de seus produtos, que inclui até escolta com helicópteros. O valor do seguro, por exemplo, chega a 15% do custo da mercadoria. Ainda assim, algumas empresas têm se recusado a segurar esse tipo de carga em razão do alto valor agregado e do risco que ela representa.
“O roubo de carga de medicamentos é um problema endêmico no Brasil. Há um alto nÃvel de informalidade, a mercadoria roubada é facilmente reintroduzida no mercado. É mais fácil roubar a carga do que ter um laboratório para falsificar um medicamento”, afirma Marta Machado, professora de direito criminal da FGV e coordenadora do estudo.
Segundo Machado, embora o estudo comparativo com outros paÃses não esteja concluÃdo, essa caracterÃstica -de haver mais incidência de roubo- parece ser bem peculiar ao Brasil. Nos EUA e Europa, a principal preocupação tem sido as drogas falsificadas.
Dirceu Mello, da Anvisa, afirma que na última década os casos de falsificações foram reduzidos -de 178 registros em 1998 contra sete em 2007.
O relatório da FGV aponta que as estatÃsticas de fraudes no Brasil não refletem a realidade. Por falta de peritos e de laboratórios especializados em identificar drogas falsificadas, os policiais preferem, muitas vezes, enquadrar o falsificador em um crime que não requer provas técnicas -como o de comercializar remédios não-autorizados pela Anvisa.
Anvisa quer rastrear produto desde a fábrica
Como forma de coibir os roubos e as falsificações de medicamentos, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estuda um mecanismo de rastrear os remédios. A idéia é que todos os medicamentos, dos simples antigripais até os tarja-preta, possam ser monitorados: começando nas fábricas, passando pelos caminhões que levam aos distribuidores até o momento da venda no balcão das farmácias.
“Cada remédio terá seu DNA, o número de identificação que será só dele”, explica Dirceu Raposo de Mello, presidente da Anvisa. As agências de vigilância nos EUA e na Europa estudam soluções semelhantes.
Foi feita uma consulta pública em que especialistas propuseram 13 soluções tecnológicas de mecanismos de rastreabilidade e autenticidade que poderiam ser utilizados pela agência -desde selos especiais até chips eletrônicos. Segundo Mello, a nova tecnologia terá de possibilitar a identificação imediata da autenticidade do produto. Para isso, será criado um identificador único de medicamento, que consiga rastrear as movimentações de um produto por meio de consulta a banco de dados eletrônico que funcione 24 horas por dia, todos os dias da semana.
“Com isso, a gente espera inibir o roubo. Em algum momento, alguém vai ter de explicar o porquê de determinado produto que tinha de estar em Goiás está no Ceará”, explica. Mello diz que a idéia é que o sistema reúna informações industriais que ficarão disponÃveis em um banco de dados para as autoridades sanitárias.
A Febrafarma (Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica) apóia o desenvolvimento de mecanismos que melhorem a rastreabilidade dos remédios, mas defende que cada empresa tenha o controle de todo o processo.
Segundo Lauro Moretto, diretor técnico-regulatório da entidade, se a Anvisa quiser saber o destino de determinado remédio, ela procurará a empresa. Para ele, um sistema único só valerá a pena se ele estiver integrado a outros paÃses. Na Europa, por exemplo, deverá existir um sistema único para todos os paÃses do bloco.