Uma trágica liderança

Florianópolis, 31.3.08 – Com apenas 1,1% do território nacional, Santa Catarina é segundo Estado do país em acidentes de trânsito, atrás apenas de Minas Gerais que tem a maior malha rodoviária do Brasil. Basta saber disso para imaginar a situação das estradas que cortam o Estado.
O Ministério dos Transportes promete injetar R$ 868,37 milhões do PAC nas rodovias federais de SC em 2008 com recursos do PAC, mas R$ 583 milhões, quase 70%, serão aplicados na conclusão da duplicação da BR-101 Sul. Do custo total da BR-101, de R$ 1,2 bilhão, o DNIT salienta que R$ 750 milhões foram empenhados até 2007.
– O cronograma de obras da BR-101 Sul previa a conclusão dos trabalhos até o final de dezembro deste ano. Como tivemos muitas chuvas, estamos trabalhando com a possibilidade de fechar o ano com 70% a 80% das obras concluídas – diz o superintendente do DNIT, João José dos Santos.
Três gargalos, no entanto, têm previsão inicial para conclusão apenas em 2010. O trecho do Morro dos Cavalos terá edital do projeto lançado em abril e concorrência fechada até o segundo semestre. A expectativa do DNIT é licitar a construção no começo de 2009. Já para a ponte sobre o canal de Cabeçudas e o túnel no Morro do Formigão, a formulação dos projetos executivos está avançada e a licitação das obras, prevista para o começo do segundo semestre.
Dentro do PAC, além da BR-101, a BR-280 terá obras, que contemplam a duplicação de 65 quilômetros entre São Francisco do Sul e Jaraguá do Sul, com conclusão prevista em 2010 e custo de R$ 120 milhões. Na BR-282 os recursos vão para a conclusão da pavimentação entre São José do Cerrito-Vargem-Campos Novos e a construção do trecho que liga São Miguel do Oeste com a fronteira com a Argentina.
Empresários e especialistas do setor de transportes estimam que a BR-101 Sul já vai nascer defasada, mas o ministério garante que o planejamento prevê o atendimento à capacidade máxima em pista dupla, por um período de até 10 anos.
– Em algumas travessias urbanas, há a possibilidade de se antecipar o aumento da capacidade de acordo com a demanda, como é o caso do trecho Norte, no qual está prevista a construção do contorno de Florianópolis para tirar o tráfego rodoviário pesado do perímetro urbano – afirma.
O contorno será viabilizado pela concessionária que ganhou o direito de explorar o trecho Norte da rodovia por 25 anos com a instalação de quatro praças de pedágio, uma a cada 65 quilômetros. A cobrança de pedágio em Palhoça, contudo, gera muita polêmica uma vez que o motorista vai pagar a tarifa em direção ao Sul do Estado e se deparar com a BR-101 Sul, sem duplicação, em obras e com o tráfego lento e muito perigoso.
Essencial para o escoamento da produção de todo o Oeste catarinense, cujo pólo agroindustrial é um dos maiores do país em exportação de carne suína e de aves, a BR-470 é considerada uma artéria de Santa Catarina. O seu interesse altamente regionalizado, porém, a manteve sangrando, à margem dos investimentos federais. Por isso, há os que defendem sua estadualização. Mas o governo federal descarta esta possibilidade.
– A BR-470 é um corredor de transportes estratégico para o Porto de Itajaí. O governo federal não cogita estadualizar esta rodovia. Já estamos trabalhando no estudo para a duplicação entre Navegantes até o acesso a Timbó. A licitação para a contratação dos estudos está pronta e a expectativa é assinar o contrato até abril – explica Santos.
O Ministério admite que a conclusão da BR-282 se arrasta há mais de 30 anos, mas explica que o governo do presidente Lula retomou as obras, garantiu os recursos necessários e o DNIT está trabalhando para que três trechos sejam concluídos até o final deste ano, com as obras em ritmo acelerado e cumprindo os prazos estabelecidos.
Para ligar o Brasil e a Argentina pela BR-282 é preciso que o governo daquele país agilize a ligação do lado de lá. Conforme o ministério dos Transportes, o Itamaraty está fazendo gestão junto ao governo argentino para a integração das duas rodovias.

O corredor bioceânico vai sair do papel

A BR-280, por sua importância de acesso ao porto de São Francisco do Sul, também foi incluída no PAC e será duplicada entre São Francisco do Sul e Jaraguá do Sul. A conclusão do projeto está prevista para o final de junho e a conclusão dos estudos ambientais para o final de agosto.
– A licença prévia deve sair até o início do segundo semestre e a licitação da obra está prevista para o segundo semestre de 2008.
O contorno do anel ferroviário que retira a confluência com a BR deve ser retomado neste primeiro trimestre. A questão relativa ao licenciamento ambiental e às desapropriações foram superadas. A obra está no PAC, com conclusão prevista para 2009.

Fosso entre malha federal e concessões

Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em 87 mil quilômetros de rodovias brasileiras no ano passado revela que não houve mudanças relevantes na malha rodoviária nacional.
Foram avaliadas a totalidade das rodovias federais pavimentadas e as principais rodovias estaduais e sob concessão. Resultado: 74,2% das estradas federais apresentam problemas de pavimentação, sinalização ou de engenharia.
Segundo o presidente da CNT, Clésio Andrade, os dados evidenciam que os projetos e esforços do governo federal ainda não foram suficientes para reverter a situação de estradas mal sinalizadas, pavimentação precária e projetos de engenharia mal executados.
– O PAC e os leilões de concessão mostram o empenho e a vontade política do governo federal. Mas é lamentável o fosso existente entre a malha federal e a das rodovias sob concessão. Não se pode construir um país como o Brasil sem fortes investimentos públicos – diz.
O presidente da CNT alerta que recursos existem, mas falta uma resposta mais rápida do governo. E lembra que nem a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), imposto cobrado sobre os combustíveis e criado para investimento em infra-estrutura, tem resolvido os problemas do setor.
Em Santa Catarina, a pesquisa CNT aponta que quase 70% dos trechos das rodovias não apresentam condições de tráfego. Dos 2.835 quilômetros de estradas pesquisados, o estado geral é que 45,7% estão em situação regular, 15,1% ruim e 7,1% péssima. Apesar desse quadro pouco animador, melhorou em relação ao ano passado quando 82% estavam nessa situação.
Em 2007 apenas 8,6% foram consideradas em ótima situação e 23,4% em boas condições. No ranking geral do Brasil, o trecho Curitiba-Porto Alegre, que inclui a BR-101, ficou em 25º lugar, o melhor entre os trechos catarinenses, avaliado como bom. O pior de todos se manteve a BR-282, entre Florianópolis e Lages, classificada como regular pelos pesquisadores e em 81º lugar, ou seja, em 28º lugar entre as piores. Melhor do que em 2006, quando ficou entre as 10 piores do Brasil.

Falta de investimento abre caminho para o caos

Ao mesmo tempo em que dá mais condições para as exportações, o crescimento do complexo portuário em Santa Catarina preocupa pelo conseqüente aumento na movimentação de caminhões de carga nas rodovias. Segundo a Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado de Santa Catarina (Fetrancesc), enquanto mal se caminha em direção à duplicação das principais rodovias, já se deveria estar pensando na construção de mais pistas.
O presidente da entidade, Pedro Lopes, alerta que o crescimento econômico, aliado às melhores condições portuárias no Estado, poderá criar um caos rodoviário se os investimentos em infra-estrutura nas estradas não forem planejados de forma correta e executados em tempo hábil.
– Já devíamos estar pensando em mais pistas na BR-101, que é o corredor dos portos e atende, não só ao movimento de Santa Catarina, mas de todo o Sul do país e do Mercosul. Tem um fluxo diário de quase 25 mil a 28 mil veículos por dia, mais de 50 mil no verão. Com mais portos no Estado, os depósitos de contêineres já estão chegando às margens da estrada, criando conflito no trânsito. As vias de acesso aos portos precisam ser priorizadas – explica.
Segundo Lopes, a BR-101 Norte, duplicada, já está superada pela qualidade da obra. Não teve manutenção adequada e tem exigência de reconstrução. As curvas são mal construídas, sem a caída técnica exigida pela engenharia, o que provoca derrapagens e acidentes fatais.
A BR-280 não tem planejamento e sofre conflito com as cargas desviadas do Porto de Paranaguá (PR), que acabam escoando por São Francisco do Sul. Conforme a Fetrancesc, a BR-470 tem diversas partes críticas, dentro de áreas urbanas, com o agravante de estar recebendo cargas desviadas do Porto de Rio Grande, pelo excesso de pedágios no trecho entre Vacaria e Caxias (RS), onde existem 17 praças de cobrança.
– Os caminhões acabam desviando para os portos de São Francisco do Sul e Itajaí, utilizando as BRs 116 e 470, sendo que a última já atende todo o Oeste catarinense. A única obra ali é o trevo da Mafisa, que é uma solução para a cidade de Blumenau, não para a rodovia como um todo. É preciso se pensar num novo traçado para a BR-470, que tem um fluxo de 25 mil veículos/dia – ressalta.
O traçado novo da BR-282, atualmente em construção, entre Campos Novos e Lages, segundo Lopes, só vai atender as cargas em direção ao porto de Imbituba e não desafoga o trânsito rumo a Itajaí. Na BR-116, de acordo com a Fetrancesc, de cada 10 veículos que trafegam, sete são de carga. Por isso, de todas as rodovias federais é a com pior pavimentação, apesar do fluxo ser menor, de 12 mil veículos por dia em média.
A entidade acredita que o melhor para Santa Catarina seria a estadualização das rodovias federais que nascem e morrem dentro do território catarinense, como as BRs 470, 282 e 280. Lopes também questiona os contratos de concessão das BRs 116 e 101, porque apesar dos valores baixos das tarifas, pouco mais de R$ 1, existem falhas no contrato que permitem aditivos de até 25%, o que pode elevar o valor para R$ 1,30 a cada 65 quilômetros.
– O edital também prevê equilíbrio econômico-financeiro. Isso quer dizer que permite à concessionária cobrar mais por cada nova obra. A Fetrancesc levantou 34 itens do edital que não estão claros – destaca.
Lopes alerta, ainda, que não é computado na composição da tarifa as receitas da faixa de domínio, com fibra ótica, outdoors e gasodutos. Nas rodovias estaduais, segundo o secretário de Infra-estrutura, Mauro Mariani, as faixas de domínio permitiram ao Deinfra aumentar sua receita de R$ 10 milhões por ano para R$ 60 milhões.

Relação intermodal é alternativa para setor

Principal interessado no trânsito das principais rodovias, o setor de transporte de cargas desenvolve alguns projetos para desafogar o gargalo das rodovias federais em SC. Entre eles, a relação intermodal e a criação de centros de distribuição fora dos perímetros urbanos para evitar o conflito de caminhões de carga com o trânsito normal das cidades.
– O setor se disciplinou naturalmente. Mas são necessárias outras alternativas. Uma saída seria a criação de centrais de distribuição de cargas perto de grandes cidades, mas fora do perímetro urbano, para evitar o trânsito pesado dentro dos municípios. Veículos leves podem levar os produtos ao destino final. Isso porque as cidades não foram planejadas para a circulação de caminhões – diz o presidente da Fetrancesc.
Desenvolver mais a relação intermodal também minimizaria os gargalos, com centrais de distribuição de cargas aéreas. Se o aeroporto de Jaguaruna estivesse operando seria a melhor opção para o Sul, com o transporte de cargas pelo modal rodoviário somente a partir do terminal aeroportuário.
– São alternativas já que os recursos demoram para chegar. O governo não usa tudo o que está no orçamento de um ano para o outro e depois vem com “restos a pagar” e diz que está investindo mais – afirma Lopes.
Segundo ele, em 2007 foram destinados R$ 8,4 bilhões para o Ministério dos Transportes, que não gastou nem R$ 3 bilhões. Voltaram ao caixa R$ 5,4 bilhões.

O desafio de melhorar as rodovias

Uma vez que não existem condições objetivas no Brasil, como no restante do mundo, nem para a manutenção nem para a ampliação das rodovias apenas com recursos tributários, o caminho para superar o desafio de melhorar a infra-estrutura rodoviária passa por uma combinação de alternativas: concessões, Parcerias Público-Privadas (PPPs) e investimento público direto.
A afirmação é do presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias, Moacyr Servilha Duarte, para quem já não existe mais insegurança jurídica no país e a expectativa para o segundo semestre do ano é a transferência de mais 10 mil quilômetros de rodovias para a iniciativa privada.
– Veja o exemplo da SC-401. O governo foi condenado a pagar à empresa que fez as obras e nunca pôde cobrar pedágio, inclusive os lucros cessantes. Mostra que os tribunais são favoráveis a quem faz o investimento e isso tranqüiliza o setor, que está disposto a investir – afirma.
Para Duarte, hoje não se discute mais o acerto da decisão de transferir para a iniciativa privada a responsabilidade pelos trechos rodoviários mais importantes. A discussão atual se limita ao valor das tarifas praticadas, que dependem diretamente do modelo de concessão utilizado, ou de menor tarifa ou mais oneroso.
– Na opção de menor tarifa, que tem sido adotada nas concessões federais, se privilegia o baixo custo para o usuário e, em conseqüência, também se limita o volume de obras de ampliação para evitar o encarecimento do processo. Os projetos já nascem defasados porque não consideram o crescimento da frota e das cargas – diz.
Autor do livro Rodovias autosustentadas: desafio do século 21, o engenheiro e ex-diretor da ANTT, Luiz Afonso dos Santos Senna, alerta que a tendência mundial é a concessão de rodovias à iniciativa privada e até países ricos estão entregando suas rodovias para concessão. No Brasil, há 1,7 milhão de quilômetros de rodovias e apenas 11% são pavimentados, um patamar comparado ao do Paraguai, país infinitamente menor em extensão territorial.
A Argentina, que também é menor que o Brasil e é dos países menos qualificados para comparativo, tem 26% das estradas pavimentadas. Dos emergentes do chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), a média, fora o Brasil, é de 26% de pavimentação, enquanto em nações desenvolvidas os percentuais se situam entre 80% e 100%.
– O grande esforço mundial é para manter suas rodovias. Tanto que a Alemanha, que não tinha um centímetro de rodovia concedida, em janeiro de 2005 tem pedágios em todas as autobans agora. A Inglaterra também não tinha, mas em 2014 todas as estradas serão pedagiadas. Imagina num país como o Brasil, onde além de manter, precisamos ampliar a malha rodoviária, e no qual o governo já provou que não tem condições nem recursos para gerir o setor – analisa.
Senna alerta que a tecnologia pode garantir mais justiça às cobranças de pedágios, já que os carros terão chips que poderão confirmar exatamente o trecho percorrido. Na França, exemplifica, a cobrança de pedágios é por percurso. Mas lá as rodovias são fechadas e é mais fácil cobrar por trechos.
Em SC, as condições das estradas são tão precárias que, segundo Senna, a vida útil do pneu de um ônibus é um terço menor do que quem roda em São Paulo.
Um dos motivos para as concessões, no Brasil, foi exigência dos bancos. Isso porque o país pedia empréstimos a organismos internacionais, como o BID, para pagamento em 15 anos e mal terminava de pagar já estava pedindo mais dinheiro para recuperar as mesmas rodovias.
– Os bancos passaram a exigir programas de manutenção por 20 ou 30 anos para conceder os empréstimos. O que é absolutamente normal. E o Brasil passou a fazer isso, através do programa de concessões – diz.
Concessionária vai recuperar duas BRsConcessionária que venceu os leilões para administrar trechos das rodovias federais BR-101 e BR-116 em SC, além de outras três estradas no país, a OHL Brasil pretende investir R$ 4,2 bilhões nos próximos cinco anos. Até janeiro de 2009 serão contratados 3,3 mil funcionários para atuar nas melhorias dos 2,07 mil quilômetros dos contratos de concessão que assinou com o governo federal pelos próximos 25 anos.
Segundo o presidente da OHL Brasil, José Carlos Ferreira de Oliveira Filho, com as novas concessões, a empresa, que já administra 1.147 quilômetros de rodovias estaduais paulistas, se torna a maior operadora de rodovias do país com 3.225 quilômetros.
No Estado, a OHL Brasil detém a gestão do trecho da BR-116 de Curitiba até a divisa de SC com o Rio Grande do Sul, com 412 quilômetros, e o Norte da BR-101, entre Curitiba e Florianópolis, com 383 quilômetros.
– Os investimentos nessas rodovias terão reflexo direto na qualidade do transporte rodoviário brasileiro, vital para a competitividade do país. O Brasil vem se desenvolvendo e há muito para se fazer, particularmente no setor de infra-estrutura – diz Oliveira Filho.
Nos primeiros seis meses das novas concessões, até agosto de 2008, quando os pedágios começam a operar, as concessionárias respectivas por cada trecho vão realizar obras emergenciais. A partir do sétimo mês, serão realizados trabalhos contínuos de melhoria e conservação além de implantados os serviços de atendimento aos usuários.
No médio e longo prazos, estão previstas, para as cinco concessões da OHL, entre elas as duas de SC, a duplicação de 232 quilômetros de rodovias, a construção de terceira faixa em 271 quilômetros, 62 trevos, 167 quilômetros de contornos, 159 passarelas e 45 postos de serviço de atendimento ao usuário. No trecho da BR-101, o investimento mais importante será o contorno de Florianópolis. Fonte: Simone Kafruni/Diário Catarinense

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