Principal ligação entre as regiões do Estado, BR-282 lidera o ranking de mortes em SC

Principal ligação entre as regiões do Estado, BR-282 lidera o ranking de mortes em SC

Florianópolis, 20.5.13 – No princípio eram apenas caminhos que ligavam comunidades longínquas e isoladas. Hoje, depois de 50 anos de obras, os caminhos formam uma espinha dorsal que cruza Santa Catarina de ponta a ponta e liga Florianópolis a Paraíso, na fronteira com a Argentina. Elo importante para o desenvolvimento e um desafio para as autoridades, da Capital ao Extremo Oeste, a BR-282 corta o Estado temperamental e cheia de curvas perigosas. Ao mesmo tempo em que o fluxo se intensifica a ponto de ser a rodovia responsável pelo tráfego de 20% do PIB (Produto Interno Bruto) de Santa Catarina, o número de mortes crescentes coloca a rodovia em estado de alerta. Este ano, pela primeira vez, a 282 registrou mais mortes que as BRs 101 e 470, historicamente conhecidas com as mais perigosas. Enquanto na 101 foram 2.506 acidentes com 27 mortes, na 282 42 pessoas perderam a vida em 716 acidentes —menos acidentes, mais mortes.
As primeiras obras para transformar as antigas estradas em uma única rodovia começaram em 1954, com a construção do trecho entre Xaxim e Joaçaba, e só terminaram em 2010, com a ligação do Oeste com Lages e a conclusão do trecho de São Miguel do Oeste a Paraíso. São 684 quilômetros por terreno com geografia marcante, que pulsa num traçado diversificado e desafiador. Trechos precários, perigosos ou em obras, que formam o grande mosaico e provocam a engenharia de tráfego: como tornar a BR-282 menos perigosa, menos mortal? São questões como os constantes congestionamentos na entrada de Florianópolis, acidentes em um mesmo trecho, como Km 106, em Alfredo Wagner, ou espera ansiosa de obras importantes para o dia a dia de cidades como Lages e Xanxerê.
Largando da ponte Colombo Salles, onde começa a rodovia, a equipe do Notícias do Dia cruzou toda a extensão da BR-282 até chegar na ponte sobre o rio Peperi Guaçu, que leva à Argentina. Durante quatro dias de viagem acompanhamos a rotina da estrada que futuramente poderá integrar o corredor transoceânico Florianópolis-Pacífico; vimos o trabalho de policiais rodoviários federais que patrulham cada trecho; transitamos na boleia com caminhoneiros; ouvimos relatos de esperanças e agonias, marcas pelo caminho difíceis de serem apagadas.

Perigo nas curvas: Trechos sinuosos e pista simples são combinação trágica

A BR-282 ainda é a principal ligação entre o polo do agronegócio catarinense às demais regiões do Estado e ao Porto de Itajaí. O traçado longitudinal, de pista simples, assume diferentes tipos de uso e de condições de tráfego. A falta de viadutos, passarelas e até mesmo a mudança no traçado original seria o agravante nos pontos perigosos.
Trecho da rodovia que fica na Grande Florianópolis, entre Rancho Queimado e Alfredo Wagner, é considerado delicado: neste ano foram quatro mortes.
Os 684 quilômetros de rodovia estão sob os cuidados da PRF (Polícia Rodoviária Federal), responsável pelo policiamento e atendimento, e o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes), pela engenharia e administração. Segundo o Dnit, existem modificações ao projeto inicial, dos anos 1950, e novos projetos que passaram a ser desenvolvidos para melhorias da rodovia nos últimos anos. O trecho da rodovia que fica na Grande Florianópolis, entre Rancho Queimado e Alfredo Wagner, é considerado delicado. Este ano foram quatro mortes nesta parte da estrada. Ano passado, 20. O traçado marca uma espécie de transição da rodovia. É onde começa a subida da serra em direção ao planalto, numa sequência de curvas que exige atenção e cuidado. Do Km 23,7, onde a BR-282 se separa da BR-101, ao Km 117,8, no limite de Alfredo Wagner com Bom Retiro, o patrulhamento é feito pelo posto da PRF de Rancho Queimado. Leandro Andrade, chefe do posto, conta que a maioria dos acidentes acontece por falta de atenção dos motoristas.
“O trecho é bastante sinuoso e com muitas curvas. Na maioria dos casos causados por imprudência”, conta. Na Grande Florianópolis, a rodovia passa por dentro de cidades, como Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz (aonde chega a ter nome de rua Pedro Neri Schinden), Águas Mornas e Alfredo Wagner. A mistura do tráfego urbano com os caminhões causa pontos de lentidão, e aumenta os riscos de atropelamentos.
A falta de acostamentosna primeira parte da rodovia, em muitos trechos comprometidos ainda por pequenos deslizamentos de taludes, também agrava as condições da estrada. “Se tivesse acostamento eu conseguiria ter tirado. Só não tirei mais porque eu ia ladeira abaixo”, diz Daniel Marquezine, 40 anos, motorista do caminhão que se envolveu em um acidente que deixou duas vítimas graves na última segunda-feira. Ele vinha de São Miguel do Oeste para a Capital.

Traçado desenrola na região serrana

Chegando a Bom Retiro, já na serra, as mudanças na rodovia são claras: o acostamento alarga, as sarjetas estão mais bem conservadas, os raios das curvas são maiores e a velocidade média aumenta. Mudam também as jurisdições da PRF e do Dnit, que agora são concentrados nas regionais de Lages. “O traçado muda imediatamente. A estrada que vinha subindo a serra em curvas se desenrola em direção ao planalto. Curvas mais longas e mais rápidas. Os acidentes são mais graves e violentos”, diz o patrulheiro César Gomes.
O trecho, que vai do Km 118 ao Km 293 (limite de Lages com São José do Cerrito), é um dos que mais acumula crescimento de mortos no comparativo com o mesmo período do ano passado. Em 2012, foram 17 mortes, seis nos quatro primeiros meses. Neste ano, de janeiro a abril, foram 156 acidentes com 14 vítimas fatais só nesta parte da rodovia. O excesso de velocidade aparece em primeiro lugar nos acidentes deste trecho. No perímetro urbano de Lages, os  5,8 quilômetros de obras de duplicação e a construção de três viadutos têm deixado o trânsito complicado na região.

Excesso de velocidade aparece em primeiro lugar nos acidentes deste trecho

Nos cerca de 175 quilômetros no perímetro de Lages os acidentes envolvem o tráfego local. Um dos pedidos da população é a instalação de passarela, que não aparece no projeto que começou a ser executado em 2011 e está 65% concluído. Segundo Gomes, a construção dos viadutos e trevos vai diminuir acidentes no perímetro urbano. Já nos demais locais a ampliação de terceiras faixas para o trânsito de caminhões e o aumento do controle de velocidade ajudariam a frear tragédias. “Nessa parte da rodovia, mais afastada da cidade, os motoristas trafegam a mais de 130 km/h. Estamos pedindo a instalação de radares em alguns pontos”, completa o patrulheiro.

Lombadas eletrônicas e prudência

Caminho dos tropeiros e considerada celeiro catarinense, onde se produz a maior parte da produção de grãos do Estado, a região campeira conseguiu reduzir o número de acidentes com implantação de lombadas eletrônicas. O trecho de competência da Delegacia da PRF de Joaçaba começa em Campos Novos, no Km 294, e segue até o Grande Oeste.

Dois viadutos nessa região poderiam diminuir os acidentes, mas ainda seguem no papel: um deles no acesso a Irani e outro no acesso a Catanduvas

Em alguns pontos críticos, os equipamentos ajudaram a reduzir sensivelmente o número de acidentes fatais. Foram 13 mortes em oito acidentes fatais este ano. Em 2012, foram 31 mortos.
Dois viadutos nessa região, que poderiam diminuir os acidentes e transtornos na região urbana ainda seguem no papel: um deles no acesso a Irani, onde a BR -282 cruza no mesmo nível com a BR -153, e o outro no acesso a Catanduvas, que estava no projeto original da rodovia e ainda não foi licitado.
Jerry Vargas, chefe da Delegacia de Joaçaba, diz que a instalação das lombadas eletrônicas tem ajudado, mas em alguns locais, como a curva do Passat, em Herval DOeste, e a curva da Santa, em Ponte Serrada, prudência e atenção podem poupar vidas. “Nesses pontos, qualquer saída de pista pode ser grave, muitos motoristas insistem em fazer ultrapassagens forçadas. É aí que acontecem as tragédias”, alerta.

Longe do Litoral

Palco das maiores tragédias na BR -282, a região do Extremo-Oeste tem 11 mortes registradas este ano. A história da rodovia neste trecho mostra que não existe segurança que possa impedir que de um dia para o outro as estatísticas dobrem.
Em 2007, 27 pessoas morreram numa sequência de acidentes simultâneos. Algo parecido aconteceu em março de 2011, quando 30 pessoas morreram de uma única vez no choque entre uma carreta e um ônibus. O trecho tinha 22 mortes por ano em 1993. Em 2008 foram 75 mortes em acidentes. E em 2011 chegou a 80.

Acidente que matou 30 pessoas em 2011 foi uma das maiores tragédias em rodovias catarinenses

A região é a mais distante do Litoral e uma das que mais dependem da rodovia para o escoamento da produção da agroindústria. “Essa região cresceu muito economicamente e expandiu de uma forma absurda, mas a rodovia não está acompanhando este crescimento”, afirma o patrulheiro Luiz Graniel. Na região de Xanxerê, as obras iniciadas em 2010 ainda estão inacabadas. O trecho de 14 quilômetros em obras na parte urbana revela que a capacidade da rodovia está no limite. No fim de tarde, o movimento dos caminhões que vão aos portos se mistura com o trânsito urbano, formando filas quilométricas.

50 anos de espera: demora na conclusão deixou rodovia sem estrutura

Foram mais de 50 anos até que a ligação entre Florianópolis e Paraíso ficasse totalmente pronta. A construção foi realizada em dez e etapas e obras aguardadas por décadas só foram concluídas em 2008 e 2010, ao serem incluídas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A implantação da rodovia só aconteceu com a incorporação de antigas estradas construídas para ligar as cidades do interior. Alguns trechos levaram anos para sair do papel. Na década de 1970, a pavimentação da região Oeste aconteceu com certa rapidez, ligando as principais cidades da região, mas a ligação com o Litoral demorou décadas para ser concluída.
De competência do governo federal, a demora e o abandono dos trechos fizeram com que as prefeituras das cidades por onde a rodovia passa e até mesmo o governo do Estado assumissem a construção de alguns trechos. Essas obras acabaram formando uma rodovia sem acostamentos e sem estrutura para trânsito intenso de caminhões.
Cidades inteiras cresceram e se desenvolveram às margens da rodovia, que hoje precisa readequar o trânsito local com o fluxo crescente que corta o Estado. Mesmo concluída, durante o governo Lula, a obra nunca foi inaugurada oficialmente. Conhecida como “Corredor do Mercosul”, a BR-282 surge como a esperança de ligação entre Florianópolis ao Oceano Pacífico. Para isso bastam que os 47 quilômetros que ligam a fronteira com a Argentina até a cidade de San Pedro sejam concluídos pelo governo argentino.

Consciência e música sertaneja na boleia

A cabine do Volvo FH de Edson Ribeiro, 40 anos, com computador  de bordo e câmbio  automático, estremece sempre que a voz de Willian e Huesley cantarolam como uma companhia no banco do carona. A música dos filhos, que sonham com a carreira sertaneja, acompanha os dias de viagem entre Santa Cecília e Florianópolis. 

“A estrada é boa, mas perigosa, a maioria dos acidentes acontece nas ultrapassagens. Maioria é barbeiragem”, explica o caminhoneiro Edson Ribeiro

Ribeiro puxa (transporta, na linguagem dos caminhoneiros) madeira de pinos que serão transformadas em tábuas da caixaria nos canteiros de obras da Capital. Ele conhece bem as curvas da BR-282.
Ribeiro se envolveu em dois acidentes, um deles no Km 106 em Alfredo Wagner, ponto onde houve deslizamento de talude e o acostamento inexiste. Mas ele não culpa tanto a estrada pelos acidentes. “A estrada é boa, mas perigosa, a maioria dos acidentes acontece nas ultrapassagens. Maioria é barbeiragem”, palpita.
Ao saber que um colega de estrada morreu, ele diz que inevitavelmente o medo corre pela espinha dorsal. “O negócio é que não tem como saber quando alguma coisa vai acontecer, porque nem sempre os culpados são os que sofrem com os acidentes. Se eu fosse autoridade, mandava colocar tachões nos pontos de faixa dupla, porque onde é proibido ultrapassar é que acontecem as tragédias”, completa o caminhoneiro.

Ferida aberta pela dor da perda

Os olhos de Antonio Alcântara Fernandes, 64 anos, não o deixam mentir. Ele mesmo não mente. À beira da BR-282, no Km 460, município de Ponte Serrada, o paranaense de Guaraniaçu ganha a vida vendendo salames, pinhão, vinho colonial e o que mais conseguir nas querências próximas.
De todas as lembranças que guarda da rodovia, a mais trágica é a que lhe vem primeiro à mente, quando no ano passado a filha mais nova morreu num acidente, durante viagem de táxi de Ponte Serrada a Xanxerê. “O taxista se perdeu na curva e bateu numa árvore. Ela morreu na hora e ele só teve uns arranhões”, conta.
A mulher de Fernandes, vítima recente de derrame, não pode trabalhar. E ele não titubeia ao confirmar o que os próprios olhos diziam: “O que ganho aqui só dá pra viver. Mas a vida é assim mesmo”.

De todas as lembranças que Antônio Fernandes guarda da rodovia, a mais trágica é a que lhe vem primeiro à mente, quando no ano passado a filha mais nova morreu num acidente

Via de mão-dupla até a Europa e a Ásia

Nos fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, um verdadeiro batalhão se alojou no Km 369 da rodovia, em Erval Velho, para construção da ligação de Campos Novos a Joaçaba. O trecho foi construído pelo Exército e ficou pronto em 1974. Já o trecho entre Lages e Campos Novos, que liga a serra ao Meio-Oeste — e consequentemente ao Litoral — só ficou pronto em 2009.
Tony Bordin, 79 anos, ainda lembra do batalhão que abrigou. “Eu era caminhoneiro e quando a rodovia passou por aqui trazia esperança de desenvolvimento. Alojei 90 famílias do pessoal do Exército que acampou aqui durante anos”, diz o hoje agricultor.

“90% do que produzo aqui vão para exportação. Os produtos seguem pela 282 e pela BR-470 até o Litoral e de lá para a Europa e Ásia”, conta o agricultor Tony Bordin

Durante 21 anos como caminhoneiro, Bordin conta que a BR-282 era feita de estradas de terra e paralelepípedos. Ele trazia feijão do Oeste para a Capital, numa viagem que durava quatro dias ida e volta. Hoje, com os mesmos 30 hectares de terra onde abrigou os construtores da rodovia, Bordin depende da estrada para escoar a produção de frangos, porcos e todo o resto que produz na lavoura. “90% do que produzo aqui vão para exportação. Os produtos seguem pela 282 e pela BR-470 até o Litoral e de lá para a Europa e Ásia”, conta o senhor de fala mansa.
Com toda calma do mundo, Bordin lembra que a estrada se esticou lentamente pelo horizonte do Estado. E passando em frente à sua casa se tornou no principal corredor para escoar a produção agrícola local. “O movimento aumenta dia a dia, a estrada já esteve pior e com muitos acidentes, mas ainda precisam melhorá-la”, aponta.
Em abril, Bordin perdeu um amigo atropelado ali mesmo, quase em frente à sua casa. “Outros tantos também se foram. Outro amigo ficou cego depois de um acidente”, finaliza.
Fonte: Fábio Bisco/ Notícias do Dia

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