Um grupo de profissionais e acadêmicos formado em grande parte por ex-alunos da Fundação Lemann diagnosticou e propõe alternativas para a infraestrutura brasileira. Eles criaram um projeto para os próximos 20 anos, nomeado Infra2038, que parte do princípio de que o país ocupa a 76ª posição no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial, mas pode chegar à 20ª posição se investir melhor em infraestrutura. A solução estaria nas concessões e parcerias público-privadas, com a conexão de governos e investidores. Essa combinação, defende Andriei Beber, professor e doutor em engenharia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e um dos líderes do Infra2038, deve ser formatada para um efeito ganha-ganha, onde população, indústria e investidores tenham resultados satisfatórios. E o dinheiro necessário não seria o problema para isso.
“Há uma demanda mundial de 57 trilhões de dólares em infraestrutura, de acordo com uma pesquisa recente da Mckinsey & Company. Existe, por outro lado, quase o dobro desse recurso (106 trilhões de dólares) disponível em fundos soberanos e fundos de pensão. Mas só 2% desses recursos está empregado em projetos de infraestrutura atualmente”, diz ele. A mesma pesquisa revela que 69% dos gestores desses fundos está disposto a investir no setor, desde que haja grau mínimo de segurança.
O Brasil, portanto, pode receber parte desses investimentos, desde que tenha arcabouço regulatório adequado. “E isso deve prever não só a remuneração justa ao investidor e prestadores de serviços, como também ao governo e, principalmente, garantir um serviço de qualidade e com tarifas justas para a população”.
Andriei Beber explica que a sensação de que as concessões são caras e não eficientes o bastante para a extensão geográfica do Brasil é um ponto a ser combatido. Segundo ele, isso começa mudando o modelo de governança que as empresas de concessões aplicam atualmente e no qual, no fim das contas, o resultado é voltado apenas para a satisfação do acionista.
Ele defende um conceito de stakeholder model, pelo qual todas as partes interessadas devem se beneficiar na proporção de sua participação. Numa concessão, portanto, o acionista deve ter lucros e dividendos compatíveis com o risco que assume. Se o risco é menor, dado o ambiente regulatório mais seguro, a rentabilidade é naturalmente menor, mas satisfatória. “Já o cidadão precisa pagar um preço justo para obter o equipamento de infraestrutura correspondente ao que paga”, diz.
Assim, para todos os tipos de concessões, o governo precisa modelar o ambiente regulatório primeiro, de forma a enquadrar os players para equalizar as tarifas. “Falo da modicidade tarifária, que é comum no setor elétrico”. “A falta de modelagem também influencia no preço das tarifas de pedágios, pois quanto menos players são atraídos para a concessão, menor será a competitividade e maior o preço”, diz.
Experiências de países menores economicamente, como a da Colômbia – que tem atualmente 25 bilhões de dólares contratados em concessões rodoviárias – são exemplos de que o Brasil tem boa oportunidade.
Até mesmo a experiência local, como o Plano de Investimentos em Logística, lançado em 2012 e a modelagem de Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), servem de exemplo para pautar a modelagem adequada. Esse programa, lembra Andriei Beber, foi uma gestação interessante do que podem ser os programas de concessões bem-sucedidos daqui em diante.
Diagnóstico
Com esse tipo de proposição, o Infra2038 entende que é possível combater com eficiência o déficit na infraestrutura brasileira. “É uma tarefa árdua, mas possível”, diz. A dificuldade é ampla, ele admite, e pode ser demonstrada pelos altos custos dos nossos setores da infraestrutura.
“A energia elétrica, por exemplo, tem 50% da fatura representada por impostos. Na Alemanha, a representatividade dos impostos na conta é quase nula. Esse custo faz com que o brasileiro consuma metade da energia elétrica de um inglês e apenas 11% do que consome um norueguês”, pontua ele. “Em outras palavras, a energia cara está afetando diretamente a capacidade produtiva e a competitividade industrial do Brasil”, completa.
No saneamento básico, a cada 100 brasileiros, 43 têm seu esgoto coletado e tratado. Doze deles possuem soluções individuais (fossa séptica) e 18 têm esgoto coletado, mas não tratado. Os outros 27 não possuem sequer coleta. Essa deficiência, defende o especialista, afeta diretamente a saúde pública, aumentando tanto o índice de mortalidade quanto os gastos hospitalares. “Nesse setor, atualmente, se extrai mais recursos com impostos do que se investe em manutenção e melhoria do sistema”, diz.
Já as rodovias em má qualidade não só afetam o custo do transporte – e naturalmente dos produtos transportados – como também matam. Em 2016, foram 6,4 mil mortos e 21,4 mil gravemente feridos nas estradas do país. “O custo logístico, que é a soma dos gastos com transporte, estoque, armazenagem e serviços administrativos, consome 12,7% do PIB do Brasil, enquanto nos EUA o percentual é de 8%. Além disso, 10% da safra agrícola é perdida nas estradas precárias”, acrescenta.
Nos planos do Infra2038, ao fim de 2038 o Brasil deveria ter um estoque nacional de infraestrutura com rodovias representando 18% dos recursos, saneamento 13%, ferrovias 12%, telecomunicações 11%, mobilidade 9%, portos 4% e aeroportos 2%.